domingo, maio 29, 2005

É raiva pura
aquilo que se esconde
no grito do meu desejo

É fome de sangue
aquilo que se espalha
pela curva do horizonte

Serás minha até eu querer
deixar de te guardar

Serás minha até morrer
o céu e o sol e a lua

Serás minha pelo menos
até o sangue secar

Serás minha toda a noite
até eu parar de cair

Já o sangue seca
nos meus lábios sedentos

Já o sol nasce
e me vem acordar

E prender na realidade
longe, tão longe de ti
do teu sangue
do teu beijo
da minha raiva
do meu sonho

quinta-feira, maio 19, 2005

Pretérito Perfeito

Atravessei um oceano de desespero
para me banhar um segundo mais
na escuridão dos teus olhos

Caminhei por florestas de sonhos
para adormecer uma vez mais
enrolado nos teus cabelos

Perdi-me em labirintos de palavras
para te ouvir murmurar
o meu nome só mais uma vez

Respirei em céus de tempestades
em ares bem acima do meu
para voltar a sentir o teu perfume

Escrevi estes versos fracos e soltos
porque fraco e e livre fui
todas as manhãs do mundo

em que acordei nos teus braços
brancos e sedosos e suaves
de bailarina de loiça

terça-feira, maio 10, 2005

O Caminho Fácil

Sentado no café, estou só mas não sozinho.
Os casais na mesa falam sobre nadas importantes, as pessoas entram e saem, a música está lá, ocupando o seu lugar, no fundo do ruído.
Isto sozinho é mais fácil de passar.
Isto, o tempo, que é o que custa mais a passar.
Divago, a minha mente perde-se, o tempo voa.
Mas acompanhado a solidão instala-se, cresce lentamente, regada pelo alcóol e pelos sorrisos fáceis.
Mais uma apresentação, mais uma ovelha para o lobo. Será que a avisaram que seria a presa, que seria o sacrifício humano para me manter aqui sentado?
Duvido.
É fácil sorrir de volta, deixar os amigos com o alívio do dever cumprido.
Na mesa, o falso equilíbrio retorna. Só números pares, só casais. E aqui vou eu, sentir-me só enquanto falo com ela, (qual era o nome mesmo? será que me importa?), sentir-me frio enquanto finjo calor humano.
E aqui vou eu outra vez, em espiral descendente, pelo caminho mais fácil.

segunda-feira, maio 02, 2005

Amor em Prosa I

Quantas vezes, no nosso desespero, a tua mão atravessou a minha mortalha de nuvens e trovões para me trazer de volta da escuridão a que tanto gosto de descer?
Quantas vezes nós nos abraçámos, embalados nos dias negros por lágrimas de luz e suspiros perfumados pelo sofrimento?
Quantas vezes me arrancaste a pele, furiosa com o meu carinho, o teu olhar assanino cravado no meu peito?
Quantas promessas te fiz e não cumpri, quantas mentiras te contei, quantas desculpas inventei, quantos erros desculpaste?
Quantas vezes fui o rochedo, fui o ferro, fui a montanha que aguentou as tuas fúrias sem motivo, e fui o teu escudo quando não tinhas razão?
Quantas vezes nasceu o sol sobre o nosso amor, as tiras de luz baça da tua persiana a chamar-nos de volta ao mundo?
Alguma vez foste tão bela quanto nessas manhãs?
Alguma vez existiu beleza no universo antes desse primeiro acordar?
Nem sei quantas vidas daria para te ter de volta, nem sei se existem vidas que cheguem no mundo para encher tal vazio.
Só sei que acordo e não estás lá.
Só sei isso. E acho que não tens forma mais eficaz de me magoar, e de te magoar.
Nem sei que olhos arrancar senão os meus. Quem me dera poder arrancar os teus olhos, a tua alma da minha, mas não consigo.
Se te arranco, que me resta?
Nada mais existe para além de ti.