sábado, junho 25, 2005

Amor em Prosa II

Não há, para mim, momento mais intenso do que acordar ao lado de uma mulher de quem se gosta.
É claro que isso sou eu, outros terão outras opiniões.
Mas essa é a minha.
Acordo de coração cheio, como se nada mais existisse senão aquele corpo, aquele ser feminino cuja respiração acompanha a minha.
Costumo acordar primeiro, não é fácil dormir agarrados, e ficar a olhar, só olhar, tentar capturar aquele momento de luz divina que se liberta ao acordar.
Lembro-me de cada segundo da manhã (quase tarde, confesso vergonhosamente) em que soube o que era sentir pela primeira vez.
Já muitas vezes tinha acordado acompanhado, e julgava estar preparado para qualquer situação.
Que estúpido.
Tanto quanto eu sabia, era um teste muito simples. Ou ela me olhava, sorria e se anichava no meu peito, e ai era amor, ou então virava-se para o outro lado e continuava a dormitar, e ai eu sabia que, apesar do que ela dissesse, nada sentia.
Que estúpido.
Mas não me podem condenar, eu não sabia.
Lembro-me de cada segundo, até mesmo de me deixar dormir com a sua voz, as suas mãos no meu cabelo.
Acordei então primeiro, como era meu costume, e esperei até que ela acordasse.
Um pequeno sobressalto na respiração.
O sinal.
O acordar finalmente.
E foi então que aconteceu.
Os nossos olhos cruzaram-se nesse momento.
Não, não se cruzaram, agarraram-se.
Durante uma hora não me mexi, o mundo não se mexeu, penso que ninguém sequer respirou.
Não existia tempo, nem lugar algum, nem a noite passada, nem futuro real ou imaginado, nada para além de dois pares de olhos, a menos de um palmo de distância, completamente abraçados.
Julguei que o meu coração ia explodir.
Nunca tinha dito tanto, e no entanto, não disse uma única palavra.
Olhamo-nos por três dias, enquanto o mundo passava por nós, nas aulas, nos bares, sempre sem que eles, os outros que não sabiam, não percebiam, sequer desconfiassem.
As noites passavam sempre na esperança de acordar nesse olhar.
Ainda sonho com esse olhar.
Ainda o procuro.
Apesar de saber exactamente onde ele está.
E quem ele agora olha.
Mas ainda sonho com a manhã em que acordei para esse olhar, e soube que amar não é ter a certeza, é entregar o que somos, mesmo sabendo que se vai perder.
Mas isso sou eu.

terça-feira, junho 21, 2005

Não sei porque dizem que custa dizer adeus

Não sei porque dizem
que custa dizer adeus

Um sorriso
Um olhar
Um movimento da mão
Um abraço
Um beijo

E pronto
estamos mortos por dentro

Hoje

Vi-te hoje outra vez e nada senti.

Senão talvez o incómodo sabor a ferrugem das lâminas que deixaste dentro de mim.

Ou talvez fosse do café, não sei.

Seja como fôr, hoje vi-te e nada senti.

Agora se me dás licença, vou para o espelho.

Tenho de treinar para me convencer melhor.

De que hoje, quanto te vi, nada senti.

Procuro

Não procuro já vozes
de doces mentiras
cheias e perfumadas

Procuro abraços desconhecidos
onde chorar minhas mágoas

Não procuro já beijos
com sabor a framboesas
cheios de luares

Procuro sim doces bocas
onde esconder meus venenos

Não procuro já tuas formas
de curvas distintas e
estradas de perdição

Procuro sim outros caminhos
que me levem a outros carinhos

quinta-feira, junho 16, 2005

Mentira

Para A.

Faz-me um favor.
Não me mintas.

Eu sei que o mundo te puxa
revirando-te
entre a realidade
e os teus sonhos.

Mas que pensas
tu que me fazes
sempre que me olhas
com esses olhos de feiticeira?

Então porque mente
esse teu sorriso?
Faz-me um favor
Esquece-me.

A ver se assim
eu te consigo
esquecer de vez.

quarta-feira, junho 08, 2005


Como faço para voltar à escuridão dos meus olhos, depois de navegar na luz dos teus?

Odeio as manhãs

Queria dedicar este texto aos meus amigos, em especial à Carla, à Claudia e ao Ed, que tantas manhãs como esta me aturaram em 5 anos. Um grande abraço para voçês.


Odeio as manhãs.
Mais uma noite sem dormir.
Daqui a umas horas, o Sandro vem buscar-me para irmos ao ginásio, vai fingir que não pareço um zombie, dizer umas piadas e aturar mais uma manhã de silêncio.
Vou entrar naquela passadeira idiota, virada para um espelho, e vou-me apagar completamete na corrida.
Vou-te apagar completamente.
Enquanto corro, nada mais existe. Sempre que a minha cabeça tenta funcionar, acelero. Vou acabar outra vez num ritmo estupidamente alto, com os gajos que estão nos pesos a afastarem-se de mim quando passo, totalmente rebentado, com aquele sorriso que os meus amigos chamam de tresloucado.
Não olho o espelho uma única vez, o único que não o faz no ginásio, deve ser por isso que assusto os outros. Mas eles não estão ali para se perderem e eu estou.
Eles não precisam.
Eles não se levantaram contigo na cama, no pensamento, no sonho. Uma cama onde não estás realmente, um pensamento onde só resta a tua sombra, sonhos onde habitas em momentos tão doces que só podem ser pesadelos.
A água do duche não apaga o cansaço, mas apaga a realidade.
Fazer o almoço, almoçar, vestir café.
Voltar à vida.
Para quê? Amanhã vou repetir tudo. Amanhã será esta manhã. É sempre, sempre, sempre a mesma manhã., todos os dias a mesma.
Odeio as manhãs.

sexta-feira, junho 03, 2005

Acordar

Acordei hoje e vi
senti
um peso familiar
de um corpo
adormecido

Tentei recordar
saber
o local e o tempo
em que estava
vivo de novo

Fugir ou escolher
ficar
acordaste e sorriste
doce e perfumada
luz matinal

Fiquei quieto
horas
sem te ouvir falar
só a ver-te sorrir
a acordar