sexta-feira, setembro 30, 2005

A dor posterior

entro devagar para não te acordar
não quero que me vejas ainda
não quero que vejas que voltei
a fazer os mesmos erros

a água fria do duche acorda-me
leva com ela o calor da luta
e mostra-me ao pormenor
onde me vai doer amanhã

tento apagar todas as marcas
mas as manchas de sangue
custam sempre mais a sair
quando caem nas mãos

penso que deve ser herança
marca genética de Caim e Pilatos
acho graça e sorrio cuspindo
m pouco de sangue dos dentes

entro na cama devagar, já seco
para não acordares e me veres
mas quase choro quando
me abraças as costelas doridas

afundo-me nas almofadas
aliviado porque sei que consegui
vais acordar e pensar que durmo
e não me vais ver assim

quarta-feira, setembro 21, 2005

três dias sem dormir

sete livros lidos

cento e setenta e duas
páginas escritas

cinco cadeiras acabadas

cinco horas de carro
para uma reunião
de vinte minutos

quarenta minutos a pé
para adormecer no teu sofá
com a cabeça no teu colo

domingo, setembro 18, 2005

Acordar Primeiro

Odeio acordar nas manhãs
em que trabalhas e em que sais
mais cedo do que eu

Odeio que não me acordes
e que me deixes dormir
até o despertador tocar

Odeio tomar banho sozinho
e apagar com água fria
o beijo com que te despediste

Odeio especialmente passar
dois e três dias longe a trabalhar
sem te olhar nos olhos e tocar
porque assim me pareces um sonho
e fico com medo de voltar a casa
e perceber que te imaginei

Odeio especialmente não poder
acordar contigo nos meus abraços
apertar-te de mansinho e dizer,
enquanto ainda sonhas e não ouves,
cheirando o teu calor e o teu cabelo:
Sou teu, sempre, mesmo enquanto dormes.

quarta-feira, setembro 14, 2005

Devolvo-te

Devolvo-te as palavras
que me escreveste
pois sei que as sentes ainda
e a falta que te fazem

Devolvo-te os olhares
que me tentaste atirar
julgando talvez que eu
não fosse tão cego

Devolvo-te o teu coração
pois não o posso usar
porque nunca o quis
nem quando mo ofereceste

Devolvo-te as lágrimas
todas que usaste por mim
por culpas que eu
nunca soube ter tido

Devolvo-te principalmente
esse ódio cego e justo
que me guardas ainda hoje
por nunca ter dito sim

segunda-feira, setembro 05, 2005

Momentos Dourados

Resolvi finalmente publicar este texto depois de alguma reflexão, algo que espantará as pessoas que me conhecem , pois sabem que regra geral ajo por impulso. Mas como todas as boas ideias que tenho tido em termos de publicação de textos neste blog resultaram em eu ter de tentar explicar às pessoas que os meus textos não são ataques pessoais, mas impulsos de momento, tive de pensar um pouco.
Uns bons dois minutos.
Bom, aqui está.


Sou professor.
Sou talvez das poucas pessoas que sempre o quiseram ser.
Mas conheço muitas que amam verdadeiramente ensinar, ter uma turma que nos olha como os transmissores supremos de uma sabedoria quase mágica.
É quase uma droga.
Alguém que nunca ensinou não conhece o supremo prazer que é ensinar um aluno com dificuldades e vê-lo superá-las, ou encontrar uma aluna algum tempo depois e ouvir aquelas palavras para as quais todo o professor vive, "Ainda me lembro do que o professor me ensinou".
São esses momentos dourados que nos fazem superar as manhãs de segunda, as tardes de sexta, as reuniões com os pais, as intermináveis correcções de testes.
Momentos autenticamente dourados.
É por esses momentos que escrevo isto.
Eu escolhi o caminho mais díficil.
Nunca parar, ser melhor do sou.
Escolhi sair do meu país, estudar e falar noutra língua, para ser melhor professor.
Para ter mais momentos dourados.
Para que a minha sabedoria fosse ainda mais mágica.
Foi uma solução cobarde e cruel, agora que a vejo.
Passou uma semana desde que saíram as listas dos concursos.
A interminável espera acabara.
Seguiram-se as idas ao café, as conversas telefónicas e cibernéticas, quem ficou em que posição e à frente de quem, o normal.
O que vi deixou-me de rastos.
Não por mim, eu fui cobarde, eu tinha o que fazer, com que me ocupar.
Foi por ouvir na voz das pessoas, dos amigos, dos companheiros de profissão com quem falei uma desilusão e um desespero real.
Desespero.
Ver toda uma vida, dezassete anos no mínimo, de treino, deitada fora.
Não uma, mas duas gerações completamente perdidas, desesperadas.
Desilusão.
Nem mais um momento, nem mais um só segundo dourado.
E quando esses amigos se viram, as vozes tensas, algumas raivosas, outras embargadas, eu respondo com uma crueldade que me deixa mais triste ainda.
As coisas por lá correm-me bem, talvez fique por lá.
A minha voz some-se quando o digo, e nem tenho coragem de olhar as pessoas nos olhos.
Porque eu sei que estou a ser cruel.
Mas é dificil saber que não existem hipóteses.
É a desilusão.
É o desespero.
É o adeus aos momentos dourados.
Pergunto realmente se algum dia esta geração voltar ao ensino, conseguirá voltar a brilhar.
Ou será que também isso perdemos?
A capacidade de brilhar?
Espero que não, eu não seria capaz de carregar esse peso.
E vocês, seriam?

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homem cansado procura mulher
com dicionário
e um tubo de super cola
que lhe cole o coração partido
e lhe ensine o que significa amar