segunda-feira, julho 17, 2006

Carne

O teu corpo brilha na noite, suave deusa de metal bronzeado, e as pingas de luz dos candeeiros reflectem o suor que se demora pelas curvas do teu corpo, pérolas perdidas que te abandonam.

O ar dentro e fora do quarto está apertado pelo calor, agarra o peito, agarra o pescoço e aperta, sufoca, é um ar morto que nos parece querer matar também, deve querer companhia.

As tuas mãos fervem no meu peito, como é possível estares mais quente que o ar, mais quente que eu, tens fogo nos olhos, esse teu fogo negro, emoldurado por uma chuva de cabelos dourados, pegados, suados.

Mordes-me o ombro quando me apertas o peito, parábola de vida és, misturas o bem com o mal, a dor e o prazer, aqui, neste quarto pintado de noite escura onde somos apenas carne, nós os dois, o mesmo suor, o mesmo ser, a mesma carne.

domingo, julho 09, 2006

e tu num sol poente

o sol vermelho do poente reflecte-se
transparente e irreal
nas tuas asas de fada perdida
espalhando a água que trazes
pelas curvas da tua pele
pela tua boca viva
pintada de ouro

bebo as gotas de água
vermelhas da luz poente
que descem do teu cabelo
até à tua cara
até ao teu pescoço
até à tua boca viva
pintada de ouro

pousas a mão no meu peito
fada perdida na planície
que pintaste de ouro
como os teus lábios
como os teus cabelos
mas és frescura e trazes a água
apagas o fogo em que ardo
com o teu corpo ondulado
pintado de ouro

domingo, julho 02, 2006

a estrada escura

Ando devagar, sei que aqui sou imparável, posso levar o tempo que quiser a navegar ruelas desertas e parques de estacionamento, esses poços que de dia nada são e que de noite são as arcas que guardam a verdadeira essência da escuridão, daquela podridão humana que nasce do acumular dos nossos medos.
Levo o máximo de tempo possível, só aqui a verdadeira canção do vento morre, embate nas paredes e revolve, julga-se solitário, este vento nocturno, ou então nem se importa comigo, importo-me eu com ele, atravessa-me os olhos, gela-me os lábios, passa-me as mãos pelo cabelo. Até ele sabe que sou imparável, sabe que me sinto um deus mortal, o sangue salta-me das veias, tenta sair-me pelos dedos.
O vento transporta o fogo dos meus olhos até ao céu, a fúria enrola-se num grito que não me sai da garganta, ressoa na minha cabeça enquanto a lua rasga as nuvens e ilumina o meu sorriso, leva com ela as pérolas de suor frio que me surgem na testa, espero pela chuva que não vai chegar nunca.
Entro num caminho largo, nem uma luz no horizonte, nem um candeeiro, sorrio porque sei que é este o meu caminho, é aqui que pertenço, os olhos de negro líquido olham-me como predadores esfomeados, apontam-me dedos de osso frio, tentam arrastar-me para fora do caminho, levar-me esperneando para os abismos.
E a chuva que não vai chegar nunca, dela tenho saudades, dos seus beijos cansados, caídos do céu como pequenas festas no meu cabelo, pequenos arrepios de vida a descer-me do cabelo para as costas, a fazer estradas de pele no pó que me cobre a cara. Mas sorrio enquanto desço a estrada escura, ergo a cabeça e sorrio, mostro ao que se esconde que sou eu quem vai caçar, que sou eu quem vai fazer sangrar, mostro que o predador sou eu.
Aqui, na escuridão, os meus olhos são brancos.
Aqui, na escuridão, sou mortal, não tenho medos, sangro fogo, estou em casa.