quinta-feira, outubro 19, 2006

olho as tempestuosas mãos como se nelas residisse realmente a minha salvação, como se pudesse rasgar o celeste cobertor cinzento de chumbo derretido e arrastar-me para o escuro conforto que reside detrás do céu

acho que só mesmo a chuva que cai me salva, deve ser de estar tão encharcado, nem sei se tremo de frio ou de coragem, tenho tanto sentir acumulado que tremo quando ele sai, quando a chuva me escorre das pontas dos dedos e o vento me enrola e dança comigo

sou uma pedra que anda, sou uma estátua flutuante

e não sei realmente o que fazer quando a barragem rebenta, quando as lágrimas que das nuvens caem me entram pelos olhos e puxam as minhas para o ar frio, ambas se misturam e me gelam a cara, parece que choro facas e respiro espadas, parece que os meus pulmões se enchem do sangue que me gela no copo todo

sou uma pedra que parte, sou ...

sei lá eu o que sou

sou um gajo encharcado, gelado e partido, e só me quero meter num mundo de vapor e lágrimas quentes e confortáveis com que o chuveiro me vai envolver, assim que chegar a casa

e aí, nos teus abraços, não me importo de não existir

domingo, outubro 15, 2006

mãos geladas

Consigo saborear no ar que o teu beijo deixou nos meus pulmões aquele doce cheiro a vingança que aparece na noite, misturado no sabor gorduroso a morango que o teu baton plantou pela subida do meu pescoço até à minha boca.
Tens as mãos geladas, arrepias-me a pele quando me tocas o peito, que estranha mistura esta, as minhas costas suam, quase que tremo da mistura entre o frio e o nervoso, tenho medo que descubras que já perdeste, que já te puxei para mim, tenho medo que olhes à volta e descubras que já navegámos da sala para o quarto.
Os teus caracóis soltam-se quando te envolvo a cintura com a mão e te levanto, ris de espanto e de prazer, pareces uma criança que descobriu um baloiço, não te deixou logo, fico a segurar-te assim, em pleno ar, olhos nos olhos, as tuas mãos seguram a minha cabeça, sou real e o teu sorriso acredita, ainda tens uma ponta de riso pendurada nos lábios, passa uma eternidade, passam duas, quase que passam três quando saltas e me sugas a alma com um beijo.
Já não tens as mãos geladas.

segunda-feira, outubro 09, 2006

poema 43

sinto-me desenrolar
como um novelo que rebola lentamente pelo chão
tingido pelo sangue que me falta

sinto que me perco
que perco quem sou, que me vou erodindo
como uma pedra na praia

às vezes nem sinto nada
nem sei bem quem sou quando acordo
venho de um mundo que nem me lembro

nem sei se devia sentir
ou se me lembro bem como se sente
devia ter escrito o caminho de volta

só sei que me perdi
e que continuo a perder-me mais
tanto que já nem me lembro
de onde parti