segunda-feira, janeiro 14, 2008

advérbios de modo

sim, beijei, mas não por sentir realmente que beijava, ou que sentia o que o beijo realmente transmitia
beijei pelo passo mecânico que levou ao resto do corpo, porta que tinha de passar para acordar nos teus braços, fase normal da dança dos corpos
beijei e o teu corpo subiu, eléctrico, pelos meus braços, como sabia que subiria, sabia o que fazia, beijei e as minhas mãos navegaram pelas tuas costas
senti o que calor que libertavas na tua respiração, como um pequeno dragão a libertar o primeiro fogo, suspiras quando os dedos gelados percorre a curva da tua coluna, conto mentalmente l1 l2 l3 l4, estúpido mecanismo de controle, porque me controlo eu quando estou aqui nos teus braços, porque não me esqueço realmente de sequer pensar, mas penso e controlo, penso em controlar, pedes que te abrace e sinto o teu corpo vergar no meu abraço, sorris e conto advérbios de modo, de modo a não me perder de repente, a não fugir totalmente de mim
sorrio de volta
de repente escapas, rindo alto demais, bates as asas e voas para longe, atiras uma careta por cima do ombro, estico o braço tarde demais, não te agarro, e soltas um pequeno grito de troça, de propósito para estreitares os meus olhos, desafias-me com as mãos no chão, lanças outra careta e de repente lanço-me no ar
sei o que faço e rodo no ar, bato no chão a seco, sinto o frio do choque atravessar a carpete do quarto e entrar-me como garras nas costelas, mas sigo e rebolo, reflexo adquirido, pavlov ia ficar orgulhoso, nem preciso pensar para o fazer, damos uma duas voltas meia volta, bato, acho que no armário e paro
respiramos pesado ao mesmo tempo, a mesma música, o mesmo tom
tens a cabeça presa entre a minha mão e o meu ombro, as asas nos teus olhos passam de medo a fome entre duas batidas de alma aclarada pela adrenalina, sobes por mim, como não sei, estava a prender-te, e beijas, soltas uma chama imensa de tristeza e fúria, uma nuvem passa entre os lábios, a velocidade descontrola-se, estamos já de pé, não te solto, prendes a minha cara entre as mãos, os teus pés penduram a um palmo do chão, um turbilhão de calor envolve-nos, sinto o sangue aos pontapés no meu peito, os minhas mãos tremem enquanto tento controlar o que faço, voltar ao plano, uma garra de gelo para no meu peito e o mundo explode em escuridão, mil tons de sombra envolvem a nossa respiração

faz frio, a noite está gelada e dormes demasiado junto a mim para eu conseguir dormir, fico a olhar o espaço, sei que amanhã não me vou mexer sem dores, mas olho o escuro e recordo, comparo, é injusto mas que me importo eu com justiças agora, pareces um pequeno tigre adormecido, pequenos caracóis de cobre cobrem a tua cara, o teu corpo mal mexe, adormeço com as primeiras luzes, quando o cansaço vence os fantasmas e a dor de não mexer

os teus olhos traem-te
mesmo de costas, enquanto me seco e visto, sei que olhas e esse olhar trai-te
tens medo
pequena gata medrosa, tigresa enterrada em cobertores de onde apenas os teus olhos saem, meio escondidos, quase de propósito, nesses cabelos que a manhã faz parecer serem feitos de ouro
tens mesmo medo
levanto-me, tento disfarçar a chapada de dor que levo só de respirar, sorrio porque sei que tenho que sorrir, beijo-te a testa, beijo-te os lábios, agarras-me as mãos, digo qualquer coisa, sorris aliviada, fecho a porta como pediste

porra, faz mesmo frio cá fora, a claridade troça comigo enquanto navego dorido para casa para ao menos mudar de roupa antes de ir trabalhar, para ao menos não parecer totalmente que não dormi

os teus olhos traem-te, ficaste a pensar
não sabes o que fazer
pensas demais
olha, conta advérbios de modo
comigo resulta