terça-feira, outubro 29, 2013

Os raios que cortam o véu negro do céu
Luminosos cabelos de fim de tarde
Nada mais são que tentações
Recordações de tempos passados
Em que o meu coração vivia
Na terra sagrada do sol
Onde até no topo do infernal inverno
O sol brilha e te aquece
E te abraça, lembrando o calor

Na terra do véu negro
Todo o céu desce à terra
E te envolve no seu xaile quente
Abafado como um forno
Um falso calor
Que pelos vistos chega e sobra
Para quem nunca abraçou o sol

Na terra do véu escuro do céu
A vida passa numa tela cinza
Sem verdadeira chuva nem verdadeiro frio
Sem verdadeiro sol nem verdadeiro calor
E sem nunca, nunca, nunca ver

O céu na sua verdadeira imensidão imaculada
Vendo que eu lhes escapava, tentaram arrancar-me o ânimo
Com palavras afiadas e olhares cortantes
E atos flamejantes de inveja que tem
Quem nunca tentou fugir, nem resistir,
Nem erguer-se do sagrado chão

Vendo que eu lhes escapava, tentaram partir-me as palavras
Torná-las brinquedos quebrados,
Sem som real e brilhante,
Transformá-las em ocas imitações,
De sons humanos de outrem

Vendo que eu lhes escapava, deixaram-me ir
Pensando-me velho e cansado
Ferido mortalmente de lhes resistir
E deixaram-me a vitória cortante
De morrer de mil cortes sangrando


Mas escapando
Enquanto escrevo este texto, está um melro a tentar segurar-se no cabo eléctrico que atravessa a rua. Não está fácil para o melro… o facto de não ter predadores naturais nas ilhas (salvo, é claro, um ou outro jovem meliante com uma pressão de ar), tornou-o gordo e pachorrento, arrogantemente seguro de si. Se o melro tivesse na sua posse os meios da auto-estrada informativa, tal e qual como todos nós, receberia os avisos da Protecção Civil na sua página de Facebook, ou  Twitava aos outros melros (piada obscura de professor de língua inglesa… inserir sorrisos amarelos). Mas o nosso melro é jovem, vive no presente, e quer apenas saber onde e o que comer, andar pendurado com os outros melros, ...ui, piar às melras…e por aí adiante.
Nada, na sua estreiteza de pensamento e de visão do mundo, o teria preparado para o que se aproximava.
Talvez… talvez dentro de si, um instinto animal o tivesse avisado, como um calafrio ou um nó no estômago, mas encolheu as suas asas, era verão, estava a engordar e a comer bem, e lá vêm as melras a passar… e qual instinto de aviso qual quê.
 Agora segura-se com garras e bico ao cabo. As suas pequenas são asas incapazes de aguentar a sua pança e de se levantar voo no vendaval. Nunca foi religioso mas agora promete cumprir promessas e toda essa litania (Tenho dúvidas sobre isso, mas nunca falei directamente com ele, portanto não o posso afirmar).  

E lá está o nosso amigo melro, a segurar-se…e a segurar-se… precariamente, tal como nós, os portugueses, à espera de resistir a este vendaval que não esperávamos, mas que na verdade, sabíamos muito bem que aí vinha.