Fico em frente ao espelho, mas não estou realmente a prestar atenção.
Os gestos são automáticos, seguros, já fiz isto tantas vezes que a lâmina passeia suavemente pela pele rugosa.
Pouco a pouco a imagem no espelho muda, já não sou eu, o eu habitual, sou o eu passado, aquele que te pertencia. Pouco a pouco os olhos relembram esta máscara, foi só procurar no arquivo, está um pouco mais gasta mas é a mesma.
Mas eu não estou realmente a prestar atenção, nem estou realmente preocupado. Se quiser ser exacto, nem estou realmente aqui.
Nem mesmo a água gelada me acorda, nem mesmo ela consegue parar as recordações, em dois segundos elas passam de pequenas pingas a uma enorme torrente cinzento prateado que submerge a realidade, que me submerge a mim.
De repente é uma tarde de Agosto, uma tarde de sorrisos e luz, ou pelo menos é assim que eu a recordo, as recordações são como os filmes da infãncia, parecem sempre supremas obras de arte, são das poucas coisas que o tempo melhora, as recordações.
Estou sentado na tua cozinha, o único lugar fresco da casa, estou no meio de uma chama de luz que entra pela janela meio fechada e me queima as pernas e as mãos, o ar está abafado.Os gestos são automáticos, seguros, já fiz isto tantas vezes que a lâmina passeia suavemente pela pele rugosa.
Pouco a pouco a imagem no espelho muda, já não sou eu, o eu habitual, sou o eu passado, aquele que te pertencia. Pouco a pouco os olhos relembram esta máscara, foi só procurar no arquivo, está um pouco mais gasta mas é a mesma.
Mas eu não estou realmente a prestar atenção, nem estou realmente preocupado. Se quiser ser exacto, nem estou realmente aqui.
Nem mesmo a água gelada me acorda, nem mesmo ela consegue parar as recordações, em dois segundos elas passam de pequenas pingas a uma enorme torrente cinzento prateado que submerge a realidade, que me submerge a mim.
De repente é uma tarde de Agosto, uma tarde de sorrisos e luz, ou pelo menos é assim que eu a recordo, as recordações são como os filmes da infãncia, parecem sempre supremas obras de arte, são das poucas coisas que o tempo melhora, as recordações.
Protesto, mas tu finges não ouvir, só uma mais das pequenas farsas com que enchemos os nossos momentos mortos, chamas-me rezingão, chamo-te ditadora, quase consigo adivinhar o teu sorriso.
Espalhas-me a espuma pela cara, mordes o lábio de baixo, estás concentrada, evitas os meus olhos, proíbes-me de sorrir. Começas o teu trabalho, tentas não me cortar a cara, tentas não olhar nos meus olhos.
Mas a tua mão está por cima do meu coração, pequeno teste que me fazes, para saber se eu confio, para saber se eu me entrego. E eu só quero beber dos teus olhos, mas tu não deixas.
Acabas finalmente o teu trabalho e sorris, nem um corte, a tua mão sempre no meu coração, sempre mergulhada na minha alma. Ajoelhada à minha frente olhas-me finalmente e só ai sentes o meu coração explodir, só ai volto a respirar, só nos teus olhos vivo realmente, todo o universo lá vive.
Pelo menos o meu.
Vivia, corrijo-me.
De repente a chuva na cara acorda-me, já estou na rua, barbeado e vestido, mas é inverno e eu preciso de um café, preciso de acordar, acordar de todas as tardes de Agosto, parar de sonhar-te em cada gesto, e ir trabalhar.
Odeio fazer a barba.
4 comentários:
como um gesto do quotidiano pode trazer memórias!
Mas olha que ficas mais giro assim sem barba! :P
Imagina o que uma gaja não deambularia num post para concluir qualquer coisa sobre fazer a depilação...
Eu gosto de te ver com meia barba. Dá-te um ar assim mais "wild", mais apetecível... agora vê bem o que é que ficas a pensar!
Depois dos comentários anteriores fiquei MUITO curiosa... ;)
Adorei o texto, como sempre. Estou a começar a sentir uma pontinha de inveja :))
Confiar uma lamina a uma mulher, nao deve ser feito de animo leve. especialmente se essa lamina for percorrer o nosso pescoço :p
Mto bem ;)
ps: N deves usar agua fria, mas sim tépida ;)
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