domingo, abril 27, 2008

(dito num sorriso)

fazemos um negócio,
um daqueles contratos gelados,
num momento de fúria lavrados
serei teu,como planeaste
contente assim?
feliz?
completa?

não ponho condições
serei o fogo que aprendi,
terás o carinho sonhado,
terás o meu corpo completo
os lábios gretados,
os olhos cansados,
as cicatrizes simetricamente dispostas
tudo incondicional

serei o que sonhaste,
não guardarei nada,
vai ser tal e qual o plano
construído enquanto choravas,
metida na solidão gelada
do teu coração,
da tua cama,
dos teus olhos

guardo apenas para mim,
o prazer doentio,
mas tão doce quanto supremo
de saber que vais chorar
e sofrer
e eu vou ver
no fim

apesar de te ter avisado
tantas vezes
que perdi à muito
o interesse em avisar

não sabes o que queres, e por isso
queres-me a mim
para ti
para guardares
nos teus cabelos de sol

erro teu

terça-feira, abril 22, 2008

amiga-irmã, irmã-amiga

Sento-me numa escura casa de chá, com umas velhas de cara suspeita e enrugada bebericando licores de pele rubi e cheiro duvidoso enquanto nos observam murmurando veneno, não gosto particularmente deste local, demasiadas recordações dolorosas de momentos luminosos, uma enorme pirâmide de explosões de sentidos, cheiro de amor, beijos a saber a chá negro, dedos a saber a chá de laranja, é demasiado para sequer pensar nisso agora.
Também não posso dizer que me agrade especialmente o modo como as velhas olham para nós, mas isso tem um motivo tão claro como as nuvens de tempestade que escurecem a tarde.
Que raios faz esta mulher morena de luz feita, esta quase-ainda menina que sorri com tanta inocência que só pode esconder tanta dor, tanto desespero que só os seus frágeis ombros seguram, os meus são grande e sucumbiam num instante, que faz este raio de luz que por acaso hoje até vem vestido de preto, sentada com aquilo.
Sim, por vezes nem eu percebo.
Mas estamos aqui porque ela é uma das três mulheres da minha vida, mulheres que amo verdadeiramente, que por vezes me sustêm por me deixarem suste-las, que me seguram nas noites de dúvida por simplesmente existirem e por vezes me deixarem segurá-las, a elas e às suas dúvidas, e por, na mais escura das dúvidas e na mais longa das confissões, as fazer soltar aquela música única que fazem ao sorrir quando é afogar a dor nas lágrimas que esperam à porta dos seus olhos que lhes apetece.
Sento-me em frente desta irmã pequena, que me escolheu e me acolheu muitas vezes, que me foi buscar ao poço fundo de garrafas vazias que tantas vezes me atirei, esta irmã que só tive quando a conheci, que me controla no seu rodopio descontrolado, e a quem susteria muitas mais vezes nos meus ombros, para a fazer ver no espelho da noite, as estrelas suas irmãs.
E é isso que as mentes encarquilhas das velhas não apanham, que esta mulher que vi crescer à minha frente do outro lado da mesa, em visões enfumaradas de álcool misturado sei lá eu com que dor, está aqui sentada porque juntos sorrimos, porque para duas horas de confissão mútua atravessei uma orgulhosamente bela e gelada tempestade sem sequer pensar nisso.
Amo-a porque acredita em mim, amo-as porque acreditam em mim, quase quase quase tanto quanto acredito nelas,na sua capacidade de sorrir quando doí, de me dizerem a verdade, de me quererem a amar quem me ame.
Até amo o cegas que por vezes são em relação a mim.
Por isso sento-me esperando o chá, sorrindo de volta à luz do outro lado da vela, e mentalmente mando as velhas pro caralho.
Uma por uma.


(escrito numa noite escura para T, para uma estrela cadente e especialmente para a minha neta)

domingo, abril 20, 2008

é estranho
procurei em todos os bolsos, todos os recantos, e não encontro
não sei onde anda, não sei onde a pousei
não encontro a minha necessidade de amar
não senti sequer a sua falta
até me acusares, de facas nos olhos e lágrimas nas palavras
de nunca ter andado com sequer com ela
o que é mentira
lembro-me vagamente de a ter usado
sei que já senti necessidade de amar
acho eu
se for aquele sentimento de querer
imperioso, sedento e vagamente lamechas
era?
esse mesmo?
hmmmmm
deve estar no bolso do casaco
com licença
vou procurar

segunda-feira, abril 07, 2008

Como sempre

Fico deitado, bem aconchegado na escuridão do quarto, o corpo ainda fervente das carícias da água, a respiração arrastando-se dificilmente pela garganta acima, cada movimento especificamente pensado para que a dor não desperte do seu torpor, essa serpente enrolada à volta da perna, dois rubis brilhantes na escuridão, a promessa de uma dentada de dor peçonhenta e pegajosa a pairar na escuridão do quarto.
No meio da escuridão, no meio da dor, penso em ti.
Penso em ti com a clareza gelada que só a dor nos oferece, meço as palavras ditas e as não ditas com um cuidado quase sistemático, enrolo bem a situação pelos dedos para a ver em toda a sua gloriosa banalidade, para que nem uma só luminescência doentia me escape. Simplesmente, nunca gostei de não compreender, de não saber.
Acabou porque abandonei o nosso plano.
É justo.
Era um bom plano, pensado entre os dois, pensado durante noites em que afogámos a solidão em incenso de maçã e vodka negro, os fumos do álcool e do incenso misturados viam mais claramente que nós dois juntos, é sempre assim, formula-se um bom plano e espera-se que seja seguído.
A realidade veio, qual brisa que sobe do rio, como a que entra agora pela janela do quarto e trás mais silêncio com ela, mais escuridão, essa brisa real limpou o fumo quente e adocicado que tínhamos, no qual nos enrolávamos, no qual nos despíamos nos dias de desespero e mergulhávamos nos braços um dos outro, e deixou apenas dois caminhos separados.
O nosso e o meu.
Escolhi o meu.
Como sempre.
Devia sentir a dor do amor perdido, mas sinto a alegria da estrada minha que me possui e que reconheço, devia sentir que te perdi, mas agora sinto a perna, sinto a dor natural das consequências, sinto vontade de me arrastar na direcção do vento.
Como sempre.
Sempre, sempre na direcção do vento.