Sento-me numa escura casa de chá, com umas velhas de cara suspeita e enrugada bebericando licores de pele rubi e cheiro duvidoso enquanto nos observam murmurando veneno, não gosto particularmente deste local, demasiadas recordações dolorosas de momentos luminosos, uma enorme pirâmide de explosões de sentidos, cheiro de amor, beijos a saber a chá negro, dedos a saber a chá de laranja, é demasiado para sequer pensar nisso agora.
Também não posso dizer que me agrade especialmente o modo como as velhas olham para nós, mas isso tem um motivo tão claro como as nuvens de tempestade que escurecem a tarde.
Que raios faz esta mulher morena de luz feita, esta quase-ainda menina que sorri com tanta inocência que só pode esconder tanta dor, tanto desespero que só os seus frágeis ombros seguram, os meus são grande e sucumbiam num instante, que faz este raio de luz que por acaso hoje até vem vestido de preto, sentada com aquilo.
Sim, por vezes nem eu percebo.
Mas estamos aqui porque ela é uma das três mulheres da minha vida, mulheres que amo verdadeiramente, que por vezes me sustêm por me deixarem suste-las, que me seguram nas noites de dúvida por simplesmente existirem e por vezes me deixarem segurá-las, a elas e às suas dúvidas, e por, na mais escura das dúvidas e na mais longa das confissões, as fazer soltar aquela música única que fazem ao sorrir quando é afogar a dor nas lágrimas que esperam à porta dos seus olhos que lhes apetece.
Sento-me em frente desta irmã pequena, que me escolheu e me acolheu muitas vezes, que me foi buscar ao poço fundo de garrafas vazias que tantas vezes me atirei, esta irmã que só tive quando a conheci, que me controla no seu rodopio descontrolado, e a quem susteria muitas mais vezes nos meus ombros, para a fazer ver no espelho da noite, as estrelas suas irmãs.
E é isso que as mentes encarquilhas das velhas não apanham, que esta mulher que vi crescer à minha frente do outro lado da mesa, em visões enfumaradas de álcool misturado sei lá eu com que dor, está aqui sentada porque juntos sorrimos, porque para duas horas de confissão mútua atravessei uma orgulhosamente bela e gelada tempestade sem sequer pensar nisso.
Amo-a porque acredita em mim, amo-as porque acreditam em mim, quase quase quase tanto quanto acredito nelas,na sua capacidade de sorrir quando doí, de me dizerem a verdade, de me quererem a amar quem me ame.
Até amo o cegas que por vezes são em relação a mim.
Por isso sento-me esperando o chá, sorrindo de volta à luz do outro lado da vela, e mentalmente mando as velhas pro caralho.
Uma por uma.
(escrito numa noite escura para T, para uma estrela cadente e especialmente para a minha neta)