quarta-feira, setembro 27, 2006

A caminho do trabalho

A luz da manhã brilha gelada nos teus olhos cor de lágrimas, torna os teus cabelos negros ainda mais verdadeiros, como se de um novelo de lã se tratasse.
Neste exacto e medido momento sei que te amo, isto que explode no meu peito só pode ser amor, o desejo eu conheço bem, e esta dor de precisar ficar preso a ti é nova para mim.
Puxas-me para a luz quando nos afundamos nos lençóis, o teu nariz brinca no meu peito, as tuas unhas arranham os braços, é o meu corpo que te protege da luz líquida que entra a escorrer lentamente pelo quarto, mas para mim a luz é tua, é como agarrar um sol entre os braços.
Enquanto me calço escondes a cabeça debaixo da almofada, resmungas-me palavras inaudíveis, copiadas de antigos cantos de sereias, tentas arrastar-me de volta para a cama, a manhã está gelada e nem mesmo a fogueira do teu corpo me aquece as mãos.
E parto sorridente na direcção da servidão, só porque sei que podia ficar, e porque acho que te amo, mas de certeza que me fazes sorrir, até nesta manhã gelada de promessas cinzentas, e acho mesmo que te amo, mas de certeza que me cativaste, diria a sábia raposa, mas já perdi a capacidade de falar, ficou contigo a minha palavra, e só sorrio baixinho para que ninguém repare e me roube esta quase certeza, roubando-me um porquê.
Acho que te amo.

sexta-feira, setembro 15, 2006

alguns de nós

alguns de nós
que caminhamos perdidos neste chão
não tivemos a sorte
de ser filhos de Deus
descendentes do cruzamento
entre um pedaço de barro e uma costela

alguns de nós
nunca tiveram uma proposta
uma daquelas mesmo concretas
para vender uma alma que não temos
a um diabo que não existe
fora do nosso peito

alguns de nós
tivemos de nos construir do nada
como uma barraca de lata e contraplacado
só para ter um templo
nosso e de mais ninguém
onde acreditar é voar

alguns de nós
acreditam em vocês todos os dias
e abraçamos, e agarramos, e embalamos
os vossos corpos doridos e olhos vermelhos
nos dias em que os vossos vapores
não ouvem as vossas vozes

terça-feira, setembro 05, 2006

marcas

deixas-te marcada no meu peito
as marcas da tua passagem
pegadas eternas
numa praia sem mar

ainda oiço nas vozes que passam
ecos daquela tua canção
que inventaste uma noite escura
só para me embalar

os meus olhos ainda pesam por vezes
dos beijos que lá plantaste
como nuvens de flores que nunca crescem
nem são levadas pelo vento

até a minha respiração aguarda ainda
a rodopiar no meu peito
à espera que a venhas beber
com os teus lábios sedentos