terça-feira, março 14, 2006

Momento

Arrasto-me lentamente até à cama, a toalha branca envolve-me pela cintura, corte branco numa tela morena. A dor está lá, viva, a morder-me o joelho, a agarrar-me e a arrastar-me para a cama.
Deixo-me cair, fico a respirar pesadamente, como se o ar que saí de mim às golfadas conseguisse arrancar a dor para fora, como se me fosse obrigar a vomitá-la, o corpo molhado espalmado contra os lençóis, como se se tivessem esquecido de me erguer crucificado.
Tento concentrar-me na névoa açucarada de incenso e laranjas que se derrama pelo quarto, que se espalha das velas do teu tocador, o espelho a reflectir a vida das pequenas chamas pela luz cancerosa da tarde quente, vens sentar-te ao meu lado e o cheiro a fresco do teu cabelo acompanha as gotas mornas que me deixas cair nas costas.
A dor começa a subir-me pela perna como uma serpente escamosa e gelada, mesmo na tarde quente sinto a perna a gelar. As gotas que escorrem do meu cabelo passeiam-se pela minha cara, convidam as gotas mal presas aos meus olhos para as acompanharem.
Tocas-me nas costas e obrigas-me a virar, sem fazeres força, sem dizeres nada, obrigas-me a virar para ver os teus olhos, para me matar neles.
Deixas a minha cabeça fazer ninho no teu colo, será a rádio que me canta ou será que apenas acompanha a canção que escorre lentamente dos teus lábios, da tua boca, já não sei, apenas oiço a canção da dor, e a tua, qual delas a mais pura.
A tua mão direita tapa-me os olhos, penteia-me os cabelos, os teus dedos estão nos meus lábios, fizeram lá morada, tentam puxar a dor de dentro de mim.
A outra mão percorre o meu tronco, não me toca realmente, apenas desenhas as minhas cicatrizes com a promessa do teu toque, deixas-me quase adivinhar que me tocas, é como se estivesses a fazer um rascunho para guardar na memória.
Cantas baixinho, quase adivinho o teu sorriso através dos meus olhos fechados.
E assim adormeço, lavado do mundo, a doer-me no teu colo, crucificado nos teus dedos, onde a dor existe mas não importa, nem mesmo um pouco, nem mesmo nada.

13 comentários:

Heavenlight disse...

E estes momentos apesar de incertos dão sentido à vida, não é?

Anónimo disse...

"...corte branco numa tela morena. A dor está lá, viva, a morder-me o joelho."
Imagens excelentes. Um Bjo
Eva

Tamia disse...

que dor que sofrimento... será que amar é assim tanta dor?

ananda disse...

Deu para sentir essa tarde de calor aqui! Acho que me fez lembrar qualquer coisa. ;)
Beijos grandes!

Anónimo disse...

Cada vez que leio algo neste blog não consigo evitar emocionar-me.
Que estranho poder tens sobre a alma dos outros que nos enternece com tanta intensidade.
Simplesmente muito bonito.

Ana disse...

a mulher...que sermaisrebelde na sua completa inocencia e pureza...mulher, porquefazes o homem sofrer?
o teu texto esta como todos os outros, brutal=)

Rakeru disse...

tu escreves maravilhosamente bem :)
agarras-t a escrita com tanto sentimento k m aprisionei nas tuas palavras....adoro o k tu escreves...virei sempre aki ver um bkadinho teu
parabéns ;)

Ana disse...

Serei um dia capaz de usar as apalvras como tu?Dar-lhes momentos, significado e sentimento?

hala_kazam disse...

ao ler-te a tua dor,que era apenas tua, passou por breves momentos a ser tambem um pouco minha...

adorei ler-te :)

é sempre bom encontrar um poeta eborense

*beijos*

Patrícia

Anónimo disse...

Acho que de tudo que tu já escreveste , isso foi o que eu mais gostei!
Adorei mesmo!
Parabéns!
Beijos!

Anónimo disse...

Para variar um bocadinho. . .sempre belo e muito bem escrito. Beijinho

A. disse...

Lindoooooooo!
=)***

Daniela disse...

Como sempre, como sempre. Ausente, volto aos poucos. Devagar, deixo-me levar, a ver onde isto leva. Ou é levado...

Parabéns.