sábado, outubro 03, 2009

Nesta Terra

nesta terra dos mil verdes
faz-me falta o meu pó,
a minha secura dourada

nesta terra rodeada de mar
os meus olhos procuram-te,
imensidão de terra minha

nesta terra de ameno tempo
o meu corpo anda sedento
do meu suão que queima
e do vento norte que abraça

nesta terra que me dizem dos amores
quero de volta a solidão
extrema. cortante, suave,
da minha planície debruada a ouro

sábado, junho 06, 2009

mas amar

luto porque nada mais sei fazer
e luto para perder
porque luto contra mim
e são lutas que não se têm
e são lutas que não se vencem


O meu coração amanhece cheio de um ódio podre, pesado e cinzento, como se fosse um corpo de um animal à muito morto e esquecido, um ódio abandonado e esquecido, perdido num labirinto de claridade artificial.

Apenas sentir me retira de mim por um pouco, e o teu amor é um pingo de cor neste mar de cinzas gastas, só o teu amor me faz sentir, o teu amor e uma imensa dor.
Não sei amar como mereces, falta de prática ou excesso de cicatrizes ou simplesmente não sei, existem coisas que nunca fiz bem, será amar uma delas, nem isso sei bem, tento todos os dias amar-te mais, mas não chego ao que te quero dar, um amor imenso que no espaço pequeno que tenho dentro só sufoca, porque mais não sei fazer.

Sei odiar.
Sei odiar e causar dor com uma energia imensa, uma explosão de energia e de calor que percorre os meus olhos e me leva a agir, agir por ódio puro e imaculado que me arrasta pelo pescoço com correntes banhadas de sangue.

De pé isolado.
Sei desafiar, sei agir com orgulho e raiva e ódio e dor e mostrar a todos que estão enganados e que não ganharão e que não perderei, não perderei, não perderei, cai mil vezes, em lágrimas banhado e não cairei, não perderei.
Isso sei fazer.

Mas amar...

quinta-feira, março 19, 2009

Maltez

Lembro-me de ser pequeno, tão pequeno que nem ao cinto das calças azuis do meu pai chegava, e ir com o meu avô guardar ovelhas, no meio de um calor sufocante, rodeado de animais maiores que eu, com um cajadinho feito de uma cana, o cabelo comprido escondido debaixo de chapéuzinho de palha, daqueles que os miúdos tinham naquela altura.
Caminhavamos todo o dia, distâncias de gigantes pelo que me parecia naquela altura, e víamos maravilhas para as quais uma criança como eu não tinha ainda vocabulário, nem dito nem pensado. E o meu avô chamava-me pequeno maltez, por causa do meu cabelo comprido e pele bronzeada, pequeno cigano, pequeno nómada, palavras ditas com carinho para descrever uma criança, palavras usadas com desdém para descrever adultos, pessoas que viajavam de longe e para longe, sem que se lhes conhecesse a família até à décima geração.
Não que viajar fosse mau.
Um homem viaja porque tem de dar de comer à família, porque vai atrás do trabalho, que o trabalho é bicho irrequieto e foge, foge de nós até quando estamos a dormir.
E assim cresci, entre o dever e a vontade, entre esse pequeno maltez que mais não quer senão ver todo o grande mundo, as suas grandes tristezas e as suas pequenas maravilhas, e o dever mais velho e primeiro de um irmão e filho, ajudar quem não te pede mas que ajudas porque é o teu sangue e o sangue é mesmo assim, não há como dizer não.
Entre acordar cedo para ir trabalhar e não dormir para ver o pôr-do-sol.
Entre entrar no conforto morno da rotina e gelar os ossos a ver as estrelas na serra no inverno.
E o meu coração bate, bate, bate bate, até ao dia em que ir seja mais forte que ficar, e esse pequeno maltez sorridente parta, à procura de ver mais, de encher mais os olhos.
E depois volte.
Ou não, pá, ou não.

quinta-feira, fevereiro 26, 2009

às vezes perco-me na quantidade brutal e furiosa da minha raiva e deixo de saber quem sou ou passo a ser quem sou, em toda a minha gloriosa força e veneno, uma parede em queda rápida

não sei

sei que tenho dificuldade em amar, porque quando amo o meu peito doí e cada palavra é arrancada como se uma silva se tratasse, como se cada respiração fosse puxada do fundo de um poço negro e pestilento

sei que não sinto desespero, porque não sei o sabor da esperança, como qualquer boa máquina avanço por dever, e porque posso avançar, e abro caminho com ambas as mãos, arrancando carne com os dentes

sei acima de tudo que não devo beber quando começo a ser eu, porque sou uma boa máquina, e as boas máquinas sabem o valor das consequências, e mesmo marcado e grisalho e partido sei, sei voar e bater e criar consequências

como se o sol não nascesse, como se não existisse amanhã

porque não vai nascer, sabes?

porque não há amanhã