segunda-feira, setembro 05, 2005

Momentos Dourados

Resolvi finalmente publicar este texto depois de alguma reflexão, algo que espantará as pessoas que me conhecem , pois sabem que regra geral ajo por impulso. Mas como todas as boas ideias que tenho tido em termos de publicação de textos neste blog resultaram em eu ter de tentar explicar às pessoas que os meus textos não são ataques pessoais, mas impulsos de momento, tive de pensar um pouco.
Uns bons dois minutos.
Bom, aqui está.


Sou professor.
Sou talvez das poucas pessoas que sempre o quiseram ser.
Mas conheço muitas que amam verdadeiramente ensinar, ter uma turma que nos olha como os transmissores supremos de uma sabedoria quase mágica.
É quase uma droga.
Alguém que nunca ensinou não conhece o supremo prazer que é ensinar um aluno com dificuldades e vê-lo superá-las, ou encontrar uma aluna algum tempo depois e ouvir aquelas palavras para as quais todo o professor vive, "Ainda me lembro do que o professor me ensinou".
São esses momentos dourados que nos fazem superar as manhãs de segunda, as tardes de sexta, as reuniões com os pais, as intermináveis correcções de testes.
Momentos autenticamente dourados.
É por esses momentos que escrevo isto.
Eu escolhi o caminho mais díficil.
Nunca parar, ser melhor do sou.
Escolhi sair do meu país, estudar e falar noutra língua, para ser melhor professor.
Para ter mais momentos dourados.
Para que a minha sabedoria fosse ainda mais mágica.
Foi uma solução cobarde e cruel, agora que a vejo.
Passou uma semana desde que saíram as listas dos concursos.
A interminável espera acabara.
Seguiram-se as idas ao café, as conversas telefónicas e cibernéticas, quem ficou em que posição e à frente de quem, o normal.
O que vi deixou-me de rastos.
Não por mim, eu fui cobarde, eu tinha o que fazer, com que me ocupar.
Foi por ouvir na voz das pessoas, dos amigos, dos companheiros de profissão com quem falei uma desilusão e um desespero real.
Desespero.
Ver toda uma vida, dezassete anos no mínimo, de treino, deitada fora.
Não uma, mas duas gerações completamente perdidas, desesperadas.
Desilusão.
Nem mais um momento, nem mais um só segundo dourado.
E quando esses amigos se viram, as vozes tensas, algumas raivosas, outras embargadas, eu respondo com uma crueldade que me deixa mais triste ainda.
As coisas por lá correm-me bem, talvez fique por lá.
A minha voz some-se quando o digo, e nem tenho coragem de olhar as pessoas nos olhos.
Porque eu sei que estou a ser cruel.
Mas é dificil saber que não existem hipóteses.
É a desilusão.
É o desespero.
É o adeus aos momentos dourados.
Pergunto realmente se algum dia esta geração voltar ao ensino, conseguirá voltar a brilhar.
Ou será que também isso perdemos?
A capacidade de brilhar?
Espero que não, eu não seria capaz de carregar esse peso.
E vocês, seriam?

8 comentários:

Sophia disse...

Só perde a capacidade de brilhar quem nunca foi estrela!!!

Eu não tive que sair do país para dar aulas e estou muito feliz com o que faço, sinto-me completa: sou aluna e prof e adoro! E não tenho pena nenhuma de não estar numa escola porque aí as pessos são hipócritas e...resumindo: as coisas na escola não funcionam (turmas enormes, programas impossíveis de cumprir, etc, etc...)...

Tenho os meus momentos de glória e sei que continuo a brilhar, ainda que haja momentos mais nublados que me tornam o brilho mais fosco. E brilho porque nunca deixei de acreditar. Não interessa onde, interessa é o quando e o como. O resto são histórias mal contadas da Carochinha...

Tamia disse...

Já falámos acerca disto. Continuamos a remar contra a maré. Antes de muito de nós chegarmos a fazer aquilo que realmente queremos, já mudámos o rumo das nossas vidas, vivendo mais uma vida, em vez de vivermos aquela que seria A nossa vida.

Anónimo disse...

Sou professor de matemática. Acabei o estagio e sabia que não ia dar aulas este ano. Adorei a experiência e posso afirmar que sou um bom professor. Ensinar é uma droga, pois sim senhor. E das melhores. É lamentável que os professores que gostam da sua profissão não possam concretizar o sonho mas o sistema educativo português assim o dita, por enquanto. Escrevo esta mensagem no seu blog pois acho um pouco ridículo o seu texto. Também escolhi o caminho mais difícil. O caminho de não ficar dependente do subsidio de desemprego e lutar pela independência. Ficar dependente depois de tanto trabalho e tanta mudança foi algo impensável para mim desde sempre. Não acho que lutar por ser independente mesmo que seja, por enquanto, num universo fora das escolas seja uma solução cobarde e cruel. É das mais corajosas. O caminho mais fácil é rendermo-nos a ajudinha da segurança social.
Não fui cobarde por arranjar coragem de ter outro emprego. Fui e sou corajoso. Como muitos corajosos que há por ai.
O Desespero vai perdurar mas eventualmente daremos aulas novamente. Entretanto vivemos corajosamente uma outra vida que não sendo a que sonhámos não perde o valor por isso.
Não perdemos a capacidade de brilhar. Ganhamos uma luz diferente e que nos prepara para uma outra – a esperança.
Artur Sobral

A. disse...

Ouve a shootingstar que ela sabe das coisas!
Nem sequer consigo imaginar o que isso é... talvez daqui a uns anos o venha a descobrir já que isto anda difícil para toda a gente infelizmente!
Mas a esperança nunca deve morrer... e temos que ter esperança que isto vai melhorar... Eu tenho!
E não te preocupes... Ainda vão haver muitos momentos para brihar... Tenho a certeza!
Bjs***

Vitor Soares disse...

Não tenho por hábito responder a comentários no meu blog, mas desta vez achei que seria justo. Artur Sobral (e desde já peço desculpa por o distinguir entre as outras pessoas que comentaram) fez, na minha opinião, uma crítica bastante construtiva do texto que escrevi. É a sua opinião e é com o objectivo de saber as opiniões sobre os meus textos que os publico num blog. Quero apenas esclarecer um ponto. Não foi a minha intenção ofender quem fez a mesma escolha que eu, tanto mais que isso seria hipócrita. Ao usar os termos "cruel" e "cobarde", não me estava a referir às escolhas em si, mas sim aos sentimentos que me surgiam quando em conversa com colegas e amigos que se encontravam mais desanimados com a situação em que vivemos. Parece-me apenas humano sentirmo-nos mal quando as nossas decisões de vida levam a alguns sentimentos negativos da parte das pessoas que fazem parte da nossa vida.
Se não consegui passar essa ideia, o texto estará simplesmente mal escrito, o que não é muito fácil de admitir para um autor, mas é, como referi, construtivo.
Espero ter-me explicado melhor neste comentário do que (obviamente)no texto.

Heavenlight disse...

Entendi o teu texto, embora a princípio não o tenha comentado... Desde pequena o meu sonho é dar aulas, ajudar a formar pessoas pequeninas que irão construir o futuro. No entanto, desisti de o fazer, pelo menos no secundário. O 1º ano que concorri não tive colocação, e não tenho a coragem suficiente para deixar a minha família (leia-se, sobretudo, o meu filhote bebé) para ir dar aulas para longe. No entanto, não me sinto plenamente realizada, apesar de estar num trabalho que gosto muito e com um ambiente saudável e simpático.
Acho que se sentes a tua vocação e tens possibilidades de concretizar os teus objectivos, força!
A vida é um jogo, não é?

Anónimo disse...

professor? e a dar tantos erros?
p.

Anónimo disse...

Obrigado pela resposta. Percebi o que quis transmitir em relação aos sentimentos que deixamos nos ‘outros’ que nem aulas nem outra coisa conseguem fazer por falta de oportunidade ou, pior, por falta de capacidade. Tenho algo a dizer sobre isso mas o meu primeiro comentário passou ao lado desse assunto. Foquei o tema do seu post – o facto de termos de fazer escolhas consoante ideias e ideais que temos, apesar dos caminhos tortos da vida, apesar do sistema. E assim vemos quem de nós tem a coragem para transpor barreiras e lutar por ser mais! Ficar à espera que alguém venha do céu e diga que vamos dar aulas é absurdo e a não ser que se goste de viver debaixo da sainha da mamã vai-se lutar. Se é hipócrita, não sou eu que o saberei, mas é injusto escrever que só dar aulas confere brilho nas pessoas e que tudo o resto as reduz tendo, ainda por cima também, parece-me um outro emprego. Quando se passa exactamente o contrário - Os fracos são os que se deixam levar pela vida apetitosa das facilidades. Eu seria "cruel" e "cobarde" se não visse o tipo de mundo em que vivemos e se fingisse que tudo está bem. Não vou estar de braços cruzados à espera que tudo me caia no colo. E muito poderia ser escrito sobre isto. Quanto aos amigos e aos sentimentos negativos que estes podem sentir em relação às boas decisões de vida que temos então só posso afirmar que não são amigos. O amigo é aquele que sofre quando nos vê mal e partilha da nossa felicidade quando estamos bem.
Se EU não conseguir passar essa ideia o meu comentário estará simplesmente mal escrito.
A. Sobral