terça-feira, dezembro 27, 2005

25

sento-me na mesa do café,
quieto,
à espera que me matem.

e nesta tarde aborrecida,
completamente banal,
nunca quis tanto viver.

nunca o café soube tão bem,
e cada vez que respiro
é como se respirasse ouro

já li o jornal três vezes,
fervo de ansiedade,
suo frio,
mas espero quieto.

nesta mesa do café,
à espera que se decidam
a atravessar a rua
e vir matar-me.

quinta-feira, dezembro 15, 2005

8.37 am

Está tanto frio que o vento me corta a cara, as mãos, os olhos.
Não há nuvens, a luz derrama-se pura do céu de metal azul claro.
O vento enrola-se no meu cabelo, é como se só a minha face existisse,
como se só ela enfrentasse a manhã gelada.

Apenas o vento e eu caminhamos nesta manhã azul metálica,
e estou feliz assim, só nós na praia de pedra do passeio,
com um mar de alcatrão cheio de carros parados â esquerda
e os muros vivos de verde do jardim à minha direita.

Entro em casa já com o sabor a café a dançar na boca,
o jornal e o pão ficam juntos a fazer amor na mesa da cozinha,
a tinta fresca e o calor do pão fresco ainda se agarram à vida,
ainda permanecem nas pontas dos dedos, na ponta do nariz.

Abro as cortinas e deixo a luz vasculhar o quarto enquanto
me dispo e entro neste ventre de flanela azul metálico,
da côr do céu lá fora, ainda aquecido pela tua pele açucarada,
e ranges com a cama enquanto me deito e me tapo.

Rodas e os teus braços apertam-me o tronco, ainda ai estou,
só saí nos teus sonhos, e olho-te neste amanhecer azul metálico.
O despertador diz-me baixinho que tenho mais vinte e três minutos
até ele te arrancar daqui, do ninho dos meus braços.

Sinto a tua respiração compassada no meu peito, sobe-me pelo pescoço,
queima-me a cara, faz-me esquecer o tempo que passa, que se lixe o tempo,
o momento fica, este momento que é só meu. Meu e do vento que dança lá fora.
Como o meu coração, cada um no seu céu azul metálico.

quinta-feira, dezembro 08, 2005

4 da manhã

Desculpa telefonar-te a estas horas
mas preciso que me salves desta escuridão
que fica na minha alma,
no meu corpo,
no meu quarto,
quando não estou contigo.

Era só porque precisava muito
de ouvir a luz na tua voz,
sentir o vapor do teu corpo,
o teu peito a subir e a descer
enquanto dormes nos meus braços.

Diz-me só boa noite,
para eu poder ir tentar dormir,
a pensar que se calhar estás aqui,
e ser feliz, a sonhar assim,
pelo menos até acordar.

domingo, novembro 27, 2005

Dançar

O copo está meio quando me tocas na mão para irmos dançar.
Apesar do barulho, apesar das pessoas, sabes que música será.
Sabes sempre.
Não sei como mas sabes.
Agarras-me a mão assim que me levanto e puxas-me para o meio da pista, longe da luz e de todo o resto do universo.
Pões os teus pés em cima dos meus, abraço-te suavemente para te proteger do mundo e dos olhares e porque gostas.
Anichas-te nos meus braços, a tua respiração quente a queimar-me o pescoço de desejo apesar do bar estar abafado.
A música começa e tu sorris, aquele sorriso que só eu vejo.
Dançamos.
Os teus lábios de sabor a licôr beijam os meus, tens a mão pousada no meu peito para sentir aquele sobressalto que o meu coração dá sempre que os nossos lábios se tocam, o teu corpo estremece quando a minha mão viaja pelas tuas costas, a música faz-nos derreter nos braços um do outro.
A música parou, outra música começou.
Ninguém percebeu.
Ninguém viu o universo a parar enquanto pairavas nos meus braços e eramos um.
Um coração, uma respiração, um beijo.
A dançar.



quinta-feira, novembro 17, 2005

Vou

Vou perseguir-te por todos os recantos de mim,
e apagar todos os fogos que deixaste.

Vou plantar nova vida neste mar de cinzas que ficou,
e lavar com lágrimas o teu sabor da minha boca.

Vou apagar todas as recordações de todos os momentos,
até não seres mais que um nevoeiro soprado pelo vento.

Vou finalmente olhar para dentro de mim, limpo de ti,
e sentar-me, e chorar, enquanto olho o vazio que ficou.

Dei-to

Dei-te...
Sei lá o que te dei...
Dei-me?
Seja o que fôr
perdi...
Não o encontro,
nem posso dar mais.
Se calhar nunca tive,
se calhar levaste contigo.

Dei-te...
E já não volta.
Passo a mão pelo cabelo,
fecho os olhos, imagino...
tento lembrar-me
do caminho de volta.
Não me lembro,
dei-to...
dei-me...
e já não volto mais.

sexta-feira, novembro 11, 2005

as sombras

Sempre pensei que as sombras são seres vivos,
presos a homens pouco humanos e a objectos sem alma.

Deve ser por isso que pensamos que o Mal,
(esse da letra e do medo maíusculo),
se esconde nas sombras.

Que ódio nos devem ter as sombras,
presas a nós que nada fazemos,
senão tapar a luz a que têm direito.

terça-feira, novembro 08, 2005

Mergulhar

Mergulhar.
Sentir que o mundo acaba,
imerso no imenso silêncio
do frio e infinito horizonte azul.
Deixar-me lentamente cair,
procurando o fundo invisível,
até que os pulmões parecem
rebentar e me lembram bruscamente
que eu não pertenço aqui.

Por isso vôo para a superfície,
onde não há nenhum azul assim,
onde não há nem paz nem silêncio,
mas onde está, infelizmente,
todo o oxigénio.

segunda-feira, novembro 07, 2005

rotina

Acorda
Come
Anda
Trabalha
Come
Trabalha
Anda
Come
Dorme

Todos os dias?
E se eu me apetecer
mandar-vos todos
todos à merda?
Não posso?
Então sejam voçês
essas tais pessoas.
Eu não quero.
Prefiro ser humano
e pensar por mim.

quarta-feira, novembro 02, 2005

Um feriado

Que saudades que eu tinha
de acordar nos teus braços,
e chamar-te princesa,
e sentir-te mulher e minha.

quinta-feira, outubro 27, 2005

Sim, sei.

Sim, sei.
Sei que para onde fôr
nunca estarei só.
Porque te carrego,
recordada num altar,
feito dentro de mim.

Sim, sei.
Alías, tenho a certeza,
que já não me perco
outra vez neste caminho,
que escreveste para mim,
quando vivias para nós.

quinta-feira, outubro 20, 2005

Raio de luz

Todos os meus erros morrem
naquele milísegundo em que
os nossos lábios se cruzam,
em que a chuva fria cai
pelas goteiras dos cabelos,
e um raio de luz viva
nos atravessa agarrados,
neste estacionamento sujo
e escuro e feio e nosso.

Não me peças mais perdão,
eu não te peço mais desculpa.

Vamos só ficar aqui assim,
agarrados na noite sem lua,
enquanto eu desvendo se
este arrepio nas costas
é da chuva que me encharca,
das tuas mãos que me abraçam
ou deste raio de luz suja
que nos transporta assim,
naufragados um no outro,
neste milionésimo de segundo
onde a memória não existe.

sexta-feira, outubro 14, 2005

Nunca vai cessar de me espantar
que as pessoas me vejam como
uma pessoa sensível e boa.

Talvez tu lhes devesses contar
sobre a noite em que te olhei nos olhos,
te arranquei o coração do peito e sorri.

Ou talvez devesses contar o que disse:
"Tu para mim morreste, és menos que nada,
não me fales, não me olhes, nem digas o meu nome."

Deixa.
Basta-lhes saber o bem que me soube
fazer sofrer a mulher que amei.

quarta-feira, outubro 12, 2005

Vivo


Chove torrencialmente e nem me importo.
Só sei que me sinto vivo, neste exacto momento,
da madrugada pintada de cinzento sepultura.

Caminho de braços abertos e cara levantada,
deixando a chuva gelada escorrer pelo pescoço
e inundar-me de vida a alma ressequida.

Na luz matinal, a chuva parece chumbo derretido,
e eu riu alto demais nas ruas desertas cheias de lama,
porque a chuva chegou para me lavar os olhos.

O vento brinca com o meu cabelo encharcado,
e sinto, e espero, e desejo que me agarre as mãos
e me leva a passear no meio das nuvens negras.

segunda-feira, outubro 10, 2005

as primeiras chuvas

vieste com as primeiras chuvas
à minha procura nos bares
por saberes que me tinhas
deixado partido e perdido
no fundo de uma garrafa

vieste na busca estúpida
da recordação esquecida
do nosso amor passado
porque não tinhas já
quem te abraçasse

vieste nos meus braços
numa nuvem quente
de álcool e prazer
e choraste saciada
perdida no meu peito

mas depois veio o sol
e quando a luz chegou
lá te lembraste que
agora já não me amavas
e sumiste na manhã

e lá me arrastei eu
nem melhor nem pior
para o fundo da garrafa
até que voltem a cair
as primeiras chuvas

intimidade

resolvi contar a todos o bela que és
quando ficas assim meia acordada
nos meus braços
com o pijama de flanela azul
que a tua mãe te deu nas férias
e me deixas o braço dormente
com essa tua mania
de te esconderes da luz
aninhando-te no meu ombro
e me acordas com o perfume
dos teus cabelos soltos
e com o calor da tua respiração
a arrepiar-me o meu pescoço

o lobo

antes quebrar que dobrar
diziam-me os meus avós
quando eu era pequeno

quando entrei na escola
a professora batia-me
e eu não lhe dava razão

depois cresci e aprendi
a responder mordendo
à ignorância dos outros

muitas vezes quebrei
por erros meus
ou abandono dos outros

mas ainda guardo o orgulho
de mesmo quando a carneirada
foge, nunca ter dobrado

sexta-feira, outubro 07, 2005

o voto

não temos revoluções, temos cento e vinte canais
não temos cartas, temos mensagens em códigos
não temos torturas, temos grandes camadas
não temos censura, mas não dizemos nada
não me importa onde votam
não têm nada a ver onde eu voto
MAS VÃO VOTAR
PESSOAS MORRERAM PARA VOÇÊS O PODEREM FAZER
FAÇAM-NO
VOTEM
VOTEM
VOTEM

sábado, outubro 01, 2005

Amor em Prosa III

Só tu sabes o que enfrentas.
Acordas ao meu lado nos dias bons e adormecemos nos braços um do outro nos dias maus.
Mas eu sei o peso que carregas.
Só a mim a tua força não espanta.

Fazia vento nessa tarde, trazias o cabelo preso, e mas algumas madeixas soltas cortavam-te o rosto, como barras de uma prisão para os teus olhos.
Viste logo na minha cara o parecida que estavas com ela.
Soltaste os cabelos e olhaste-me nos olhos como que dizendo, eu sou eu, não sou ela.
Percebi.
Sentaste-te do outro lado da mesa, falando a todos com aquela voz de menina que sabes que me irrita, provavelmente ainda magoada por eu te ter achado parecida.
A conversa continuou por algumas horas até que, sem que ninguém se apercebesse, ou talvez tivessem percebido muito bem mas não quisessem mostrar, me mandas-te o olhar.
Já me enviaram esse olhar vezes suficientes para o reconhecer imediatamente.
O olhar "temos de falar".
Pedi logo uma bebida forte num copo grande, sem gelo, ajuda-me a pensar enquanto bebo, e a primeira coisa que pensei foi que asneira teria eu feito.
Às vezes sou mesmo cego.
O tempo passou e fomos ficando.

Era aquela hora, mesmo antes de jantar, em que os cafés ficam vazios e até os empregados desaparecem. Já estavamos sozinhos, mudos, a olhar o cinzeiro à cinco minutos e matei o resto da bebida de uma vez, para afogar o silêncio.
Disse logo, Então?
Hesitaste, talvez a pensar se o plano resultaria agora que o tinhas de pôr em prática. Mas tu és forte, e avançaste.
Eu não sou ela.
Eu sei, nunca disse que eras, e...
Cala-te.
A minha cara endureceu logo, sempre odiei que me mandassem calar, mas vi que tinhas ficado um pouco arrependida e resolvi poupar-te um pouco e soltar um meio sorriso.
Ainda pensas nela?
Sempre.
Baixaste os olhos, como se te pesasse cada palavra.
Ainda a amas?
Sim, respondi eu, depois de dois meses a dizer a mim próprio que não.
E nós?
Nós o quê?
Como ficamos?
Como quiseres.

O vento tinha parado, e as ruas estavam vazias, pairávamos entre o dia e a noite, naquele espaço de tempo em que a luz parece ser azulada. O silêncio entre nós era como se fosse uma almofada que crescia a cada segundo. Eu tinha feito o que devia. Tinha sido um idiota, facilitado tudo. A decisão era tua, ias decidir bem, ias mandar-me passear. Mínimo de sofrimento a longo prazo para os dois. A decisão correcta.

Eu quero.
A tua voz saiu devagar, cada sílaba uma certeza, uma pedra, uma torre, uma montanha.
Ouviste?
Ouviste?

Mas eu não ouvia, só via a tua mão pequena brincando com a chávena do café. Agarrei-a devagarinho, estava gelada e ficava mesmo pequena na minha, olhei-te e nada disse.

Vamos para casa?
A tua voz saiu meio rouca, como se no último momento hesitasses, talvez tivesses percebido mal, talvez eu estivesse a dizer adeus, a mandar-te embora.

Vamos.
A minha resposta ficou a pairar no ar como uma pena, como se o seu verdadeiro significado não fosse real, como se se tivesse perdido no momento. Levantámo-nos, a tua cara estava séria, como se a resposta não fosse o que estavas à espera, como se não soubesses o que fazer agora.

Só a meio caminho de casa me deste a mão, e nessa noite fui dormir em minha casa. Estava bem claro, tu não eras ela, mas também não eras a outra. Não vou mentir, sempre a vou amar. Ela fez parte de mim demasiado tempo para a apagar.
Sempre foste forte, lutas todos os dias por nós.
Quero que saibas...
Não...
Preciso que saibas que todas as noites quando me deito, e todas as manhãs quando acordo, o faço ao teu lado, que não estás em segundo lugar.
Podes posar esse peso que carregas.
Não quero acordar ao lado de mais ninguém.

1\10\2004 - 7.45 am

deixo-te este papel
na nossa almofada
só para dizer bom dia
porque se oiço a tua voz
ou te olho um segundo
não tenho coragem
para ir para o trabalho
Que poetas são esses
que procuram musas
perfeitas e raras
as mulheres-anjo
dos poetas antigos?

Que poetas são esses
imitadores de Fausto
que vendem a alma
pelo calor e amor de
uma mulher-demónio?

Que posso eu querer
que seja mais que tu
não sou poeta, sou homem
sou teu, meu amor
minha mulher-humana
na noite quente
ouvi
uma voz cristalina
e por ter medo
apertei-te junto a mim
só para acordar
na noite quente
sozinho
com os braços
e a cama
e o quarto
e eu
vazios
na noite quente

sexta-feira, setembro 30, 2005

A dor posterior

entro devagar para não te acordar
não quero que me vejas ainda
não quero que vejas que voltei
a fazer os mesmos erros

a água fria do duche acorda-me
leva com ela o calor da luta
e mostra-me ao pormenor
onde me vai doer amanhã

tento apagar todas as marcas
mas as manchas de sangue
custam sempre mais a sair
quando caem nas mãos

penso que deve ser herança
marca genética de Caim e Pilatos
acho graça e sorrio cuspindo
m pouco de sangue dos dentes

entro na cama devagar, já seco
para não acordares e me veres
mas quase choro quando
me abraças as costelas doridas

afundo-me nas almofadas
aliviado porque sei que consegui
vais acordar e pensar que durmo
e não me vais ver assim

quarta-feira, setembro 21, 2005

três dias sem dormir

sete livros lidos

cento e setenta e duas
páginas escritas

cinco cadeiras acabadas

cinco horas de carro
para uma reunião
de vinte minutos

quarenta minutos a pé
para adormecer no teu sofá
com a cabeça no teu colo

domingo, setembro 18, 2005

Acordar Primeiro

Odeio acordar nas manhãs
em que trabalhas e em que sais
mais cedo do que eu

Odeio que não me acordes
e que me deixes dormir
até o despertador tocar

Odeio tomar banho sozinho
e apagar com água fria
o beijo com que te despediste

Odeio especialmente passar
dois e três dias longe a trabalhar
sem te olhar nos olhos e tocar
porque assim me pareces um sonho
e fico com medo de voltar a casa
e perceber que te imaginei

Odeio especialmente não poder
acordar contigo nos meus abraços
apertar-te de mansinho e dizer,
enquanto ainda sonhas e não ouves,
cheirando o teu calor e o teu cabelo:
Sou teu, sempre, mesmo enquanto dormes.

quarta-feira, setembro 14, 2005

Devolvo-te

Devolvo-te as palavras
que me escreveste
pois sei que as sentes ainda
e a falta que te fazem

Devolvo-te os olhares
que me tentaste atirar
julgando talvez que eu
não fosse tão cego

Devolvo-te o teu coração
pois não o posso usar
porque nunca o quis
nem quando mo ofereceste

Devolvo-te as lágrimas
todas que usaste por mim
por culpas que eu
nunca soube ter tido

Devolvo-te principalmente
esse ódio cego e justo
que me guardas ainda hoje
por nunca ter dito sim

segunda-feira, setembro 05, 2005

Momentos Dourados

Resolvi finalmente publicar este texto depois de alguma reflexão, algo que espantará as pessoas que me conhecem , pois sabem que regra geral ajo por impulso. Mas como todas as boas ideias que tenho tido em termos de publicação de textos neste blog resultaram em eu ter de tentar explicar às pessoas que os meus textos não são ataques pessoais, mas impulsos de momento, tive de pensar um pouco.
Uns bons dois minutos.
Bom, aqui está.


Sou professor.
Sou talvez das poucas pessoas que sempre o quiseram ser.
Mas conheço muitas que amam verdadeiramente ensinar, ter uma turma que nos olha como os transmissores supremos de uma sabedoria quase mágica.
É quase uma droga.
Alguém que nunca ensinou não conhece o supremo prazer que é ensinar um aluno com dificuldades e vê-lo superá-las, ou encontrar uma aluna algum tempo depois e ouvir aquelas palavras para as quais todo o professor vive, "Ainda me lembro do que o professor me ensinou".
São esses momentos dourados que nos fazem superar as manhãs de segunda, as tardes de sexta, as reuniões com os pais, as intermináveis correcções de testes.
Momentos autenticamente dourados.
É por esses momentos que escrevo isto.
Eu escolhi o caminho mais díficil.
Nunca parar, ser melhor do sou.
Escolhi sair do meu país, estudar e falar noutra língua, para ser melhor professor.
Para ter mais momentos dourados.
Para que a minha sabedoria fosse ainda mais mágica.
Foi uma solução cobarde e cruel, agora que a vejo.
Passou uma semana desde que saíram as listas dos concursos.
A interminável espera acabara.
Seguiram-se as idas ao café, as conversas telefónicas e cibernéticas, quem ficou em que posição e à frente de quem, o normal.
O que vi deixou-me de rastos.
Não por mim, eu fui cobarde, eu tinha o que fazer, com que me ocupar.
Foi por ouvir na voz das pessoas, dos amigos, dos companheiros de profissão com quem falei uma desilusão e um desespero real.
Desespero.
Ver toda uma vida, dezassete anos no mínimo, de treino, deitada fora.
Não uma, mas duas gerações completamente perdidas, desesperadas.
Desilusão.
Nem mais um momento, nem mais um só segundo dourado.
E quando esses amigos se viram, as vozes tensas, algumas raivosas, outras embargadas, eu respondo com uma crueldade que me deixa mais triste ainda.
As coisas por lá correm-me bem, talvez fique por lá.
A minha voz some-se quando o digo, e nem tenho coragem de olhar as pessoas nos olhos.
Porque eu sei que estou a ser cruel.
Mas é dificil saber que não existem hipóteses.
É a desilusão.
É o desespero.
É o adeus aos momentos dourados.
Pergunto realmente se algum dia esta geração voltar ao ensino, conseguirá voltar a brilhar.
Ou será que também isso perdemos?
A capacidade de brilhar?
Espero que não, eu não seria capaz de carregar esse peso.
E vocês, seriam?

Anúncio de Jornal

homem cansado procura mulher
com dicionário
e um tubo de super cola
que lhe cole o coração partido
e lhe ensine o que significa amar

segunda-feira, agosto 29, 2005

Moram ainda na minha mente

Moram ainda na minha mente
aquelas manhãs de Janeiro
em que matavamos as saudades
das férias passadas longe,
gastanto horas no teu quarto
olhando a chuva cantar,
furando o silêncio e o calor
enquanto batia nas vidraças
da janela tornando o teu cabelo
ainda mais escuro e vivo.

Moram ainda na minha mente
todas as vezes que acordei
com a minha cabeça no teu colo,
enquanto passavas a mão
pelo meu cabelo e cantavas
baixinho para não me acordar
e eu abria os olhos para ver
as formas do fumo do teu cigarro
enquanto subia para o tecto.

Moram ainda na minha mente
os momentos em que te sentias só
e atravessavas a cozinha a correr,
para te sentares ao meu colo
enquanto eu tentava escrever,
e me abraçavas os ombros
com a tua respiração quente
a arrepiar-me o pescoço,
enquanto me dizias baixinho
que precisavas de me agarrar.

Moram ainda na minha mente
cada um desses momentos,
que uso como medida injusta
para medir todas as outras,
recordações dolorosas demais
para não apagar para sempre,
do meu coração e da minha pele,
recordações que só posso guardar
na minha mente, para te guardar
para sempre dentro de mim.

sábado, agosto 27, 2005

Parabéns

Este poema é para a minha amiga Tânia, no dia do seu aniversário


Gostava realmente
que todas as manhãs
acordasses sorridente
como mereces acordar

Abraçada por braços
não te largam
e por beijos
que te desejam

Gostava que soubesses
o quanto gosto de te ouvir
mesmo quando tu não

E sei que és especial
porque o teu mundo sorri
e nem todos somos assim

quarta-feira, agosto 24, 2005

15h16m

hora exacta
medida
analisada
cronometrada
em que a tua mão
atravesou a mesa
do café
meio vazio
e adormeceu
na minha mão

um suspiro
um minuto
um desejo

um piscar de olhos
um meio sorrir

e os teus olhos
fugitivos
correram
para o lado
a mão recuou
e o minuto...
...o minuto passou

domingo, agosto 14, 2005

momento idiota 2


Poeta apercebe-se que, ou a inspiração divina não abrange os restaurantes, ou então estava a confundir o divino com um candeeiro.

momento idiota 1


Poeta procura inspiração divina num Pizza Hut.

segunda-feira, agosto 01, 2005

a cama é pequena

a cama é pequena
meu amor

dormes no meu peito
os teus cabelos
perfumados
libertos
enchem o meu sono
e não consigo
dormir sossegado

a cama é pequena
meu amor

abraças-te a mim
no escuro
e os meus braços
ficam dormentes
doridos
de te segurar

a cama é pequena
meu amor

nunca mais quero sair daqui

quarta-feira, julho 27, 2005

A Esfínge

Lembro-me perfeitamente.
Como se fosse hoje.

O meu amigo Ed dava-me boleia para casa depois das aulas, uma disciplina pedagógica qualquer totalmente inútil, que nos tinha ocupado uma tarde inteira.
Nesta altura, poucas pessoas da minha turma ainda me falavam, a maioria tinha decidido que eu era um perfeito sacana por não falar à mulher que me tinha trocado por um amigo.
Falar-lhes.
Se imaginassem o esforço que foi preciso fazer para não lhes arrancar a cabeça a pontapés, quanto mais respirara o mesmo ar que eles.

Mas eu era uma esfínge.
Pura pedra. Nem um sentimento, nem um olhar.
A mesma cara de pedra morena. O mesmo nariz partido. O olhar vago em pregado em frente. E sem ninguém por perto.
Resumindo, o leproso da turma.
Há que ser justo, alguns poucos resistentes ainda me falavam, curiosamente, as mesmas pessoas que me falam ainda hoje.
Curiosamente.

Uma semana antes tinha ido tirar o Mauro do meio de uma briga e tinham-me aberto um sobrolho com uma garrafa.
Nem um queixume. Nem uma lágrima. Piropos às enfermeiras. Uma esfinge.
Nem falsos heroísmos, nem forças sobre-humanas.
Hábitos da juventude.
Voçês aprenderam a andar de bicicleta, eu aprendi a pôr o maxilar no sítio sem pestanejar.

Lembro-me perfeitamente.
O carro seguia a muralha, mesmo na curva que leva ao Rossio. Apanha-se o sol de frente, quando se faz essa curva ao entardecer. Uma luz melosa, avermelhada, que nos bate na cara depois da sombra de uma rua ladeada de plátanos.
Pisquei os olhos e a dor dos pontos fez a minha cabeça abanar.
Mas a cara era a mesma.
Uma esfínge.

Havia muito trânsito (Évora, cinco e meia, só quem cá viveu sabe) e estavamos parados.
O Ed contava-me as últimas notícias sobre a turma, visto que eu, por ser leproso, não as podia saber.
Lembro-me das exactas palavras que ele disse.
"E foi então que a Xana me disse, não sei como podes falar com o Vitor, ele nem é uma pessoa, é um animal".
Ainda disse mais algumas palavras, mas como eu não respondia olhou para mim.
Lembro-me perfeitamente da sua cara.
Espanto.
Preocupação.
Medo.
A principio não percebi porque me olhava assim.
Só quando a primeira lágrima me bateu nas costas da mão que segurava os livros é que me apercebi que chorava.
A mesma cara de pedra morena.
O mesmo nariz partido.
O mesmo olhar vago.
Mas dos meus olhos rolavam lágrimas.
Lágrimas puras, sem soluços, sem som algum.
Limpei a cara devagar, e voltei a olhar em frente.
Fomos em silêncio o resto do caminho.

Acho que o Ed nunca contou isto a ninguém.
Não que eu lho tenha pedido. Acho que para ele não é mais do que uma memória vaga, meio apagada.
Mas mesmo na altura não comentou com ninguém. Nem comigo.
Também, quem iria acreditar?
Uma esfínge, a chorar?

Mas eu lembro-me.
Lembro-me perfeitamente.

sábado, julho 23, 2005

Explanada

Sorri
porque o teu sorriso
é luz

E a tua voz
é quente
quanto dizes
o meu nome

Enquanto as palavras
rolam
pela tua pele

Nesta explanada
banal
onde os nossos olhos
se amam

E a curva colorida
da tua voz
diz quente
o meu nome

segunda-feira, julho 18, 2005

Unhas

Sempre odiei as tuas unhas
unhas de menina
que não parte um prato

Bem pintadas
arranjadas
opostos da tua alma

Sempre odiei as tuas unhas
que me comiam
e arranhavam as costas

Eram marcas
de posse
linhas do teu território

Sempre odiei as tuas unhas
a batucar
na mesa do café

Quando o meu olhar
se cruzava com outro
que não o teu

Sempre odiei as tuas unhas
de menina
bem comportada

Numa mão que descia
pelo meu peito
e me arrancava a alma

quarta-feira, julho 13, 2005

Quando eu morrer

Quando eu morrer
as minhas cinzas voarão
nas asas de mil corvos
para criar uma nuvem
tão escura e tempestuosa
que a chuva que cairá
lavará o o mundo
dos pecados que deixo

Quando eu morrer
a luz brilhará finalmente
na escuridão que sou
e como um sopro
sagrado e divino
furacão dos deuses
furará a escuridão
de todas as manhãs

Quando eu morrer
amanhã ou depois
não importa pois ninguém
me pode apanhar
nesta queda livre
do inferno para o céu
vou cair e sorrir
pois a história acabou

domingo, julho 03, 2005

sábado, junho 25, 2005

Amor em Prosa II

Não há, para mim, momento mais intenso do que acordar ao lado de uma mulher de quem se gosta.
É claro que isso sou eu, outros terão outras opiniões.
Mas essa é a minha.
Acordo de coração cheio, como se nada mais existisse senão aquele corpo, aquele ser feminino cuja respiração acompanha a minha.
Costumo acordar primeiro, não é fácil dormir agarrados, e ficar a olhar, só olhar, tentar capturar aquele momento de luz divina que se liberta ao acordar.
Lembro-me de cada segundo da manhã (quase tarde, confesso vergonhosamente) em que soube o que era sentir pela primeira vez.
Já muitas vezes tinha acordado acompanhado, e julgava estar preparado para qualquer situação.
Que estúpido.
Tanto quanto eu sabia, era um teste muito simples. Ou ela me olhava, sorria e se anichava no meu peito, e ai era amor, ou então virava-se para o outro lado e continuava a dormitar, e ai eu sabia que, apesar do que ela dissesse, nada sentia.
Que estúpido.
Mas não me podem condenar, eu não sabia.
Lembro-me de cada segundo, até mesmo de me deixar dormir com a sua voz, as suas mãos no meu cabelo.
Acordei então primeiro, como era meu costume, e esperei até que ela acordasse.
Um pequeno sobressalto na respiração.
O sinal.
O acordar finalmente.
E foi então que aconteceu.
Os nossos olhos cruzaram-se nesse momento.
Não, não se cruzaram, agarraram-se.
Durante uma hora não me mexi, o mundo não se mexeu, penso que ninguém sequer respirou.
Não existia tempo, nem lugar algum, nem a noite passada, nem futuro real ou imaginado, nada para além de dois pares de olhos, a menos de um palmo de distância, completamente abraçados.
Julguei que o meu coração ia explodir.
Nunca tinha dito tanto, e no entanto, não disse uma única palavra.
Olhamo-nos por três dias, enquanto o mundo passava por nós, nas aulas, nos bares, sempre sem que eles, os outros que não sabiam, não percebiam, sequer desconfiassem.
As noites passavam sempre na esperança de acordar nesse olhar.
Ainda sonho com esse olhar.
Ainda o procuro.
Apesar de saber exactamente onde ele está.
E quem ele agora olha.
Mas ainda sonho com a manhã em que acordei para esse olhar, e soube que amar não é ter a certeza, é entregar o que somos, mesmo sabendo que se vai perder.
Mas isso sou eu.

terça-feira, junho 21, 2005

Não sei porque dizem que custa dizer adeus

Não sei porque dizem
que custa dizer adeus

Um sorriso
Um olhar
Um movimento da mão
Um abraço
Um beijo

E pronto
estamos mortos por dentro

Hoje

Vi-te hoje outra vez e nada senti.

Senão talvez o incómodo sabor a ferrugem das lâminas que deixaste dentro de mim.

Ou talvez fosse do café, não sei.

Seja como fôr, hoje vi-te e nada senti.

Agora se me dás licença, vou para o espelho.

Tenho de treinar para me convencer melhor.

De que hoje, quanto te vi, nada senti.

Procuro

Não procuro já vozes
de doces mentiras
cheias e perfumadas

Procuro abraços desconhecidos
onde chorar minhas mágoas

Não procuro já beijos
com sabor a framboesas
cheios de luares

Procuro sim doces bocas
onde esconder meus venenos

Não procuro já tuas formas
de curvas distintas e
estradas de perdição

Procuro sim outros caminhos
que me levem a outros carinhos

quinta-feira, junho 16, 2005

Mentira

Para A.

Faz-me um favor.
Não me mintas.

Eu sei que o mundo te puxa
revirando-te
entre a realidade
e os teus sonhos.

Mas que pensas
tu que me fazes
sempre que me olhas
com esses olhos de feiticeira?

Então porque mente
esse teu sorriso?
Faz-me um favor
Esquece-me.

A ver se assim
eu te consigo
esquecer de vez.

quarta-feira, junho 08, 2005


Como faço para voltar à escuridão dos meus olhos, depois de navegar na luz dos teus?

Odeio as manhãs

Queria dedicar este texto aos meus amigos, em especial à Carla, à Claudia e ao Ed, que tantas manhãs como esta me aturaram em 5 anos. Um grande abraço para voçês.


Odeio as manhãs.
Mais uma noite sem dormir.
Daqui a umas horas, o Sandro vem buscar-me para irmos ao ginásio, vai fingir que não pareço um zombie, dizer umas piadas e aturar mais uma manhã de silêncio.
Vou entrar naquela passadeira idiota, virada para um espelho, e vou-me apagar completamete na corrida.
Vou-te apagar completamente.
Enquanto corro, nada mais existe. Sempre que a minha cabeça tenta funcionar, acelero. Vou acabar outra vez num ritmo estupidamente alto, com os gajos que estão nos pesos a afastarem-se de mim quando passo, totalmente rebentado, com aquele sorriso que os meus amigos chamam de tresloucado.
Não olho o espelho uma única vez, o único que não o faz no ginásio, deve ser por isso que assusto os outros. Mas eles não estão ali para se perderem e eu estou.
Eles não precisam.
Eles não se levantaram contigo na cama, no pensamento, no sonho. Uma cama onde não estás realmente, um pensamento onde só resta a tua sombra, sonhos onde habitas em momentos tão doces que só podem ser pesadelos.
A água do duche não apaga o cansaço, mas apaga a realidade.
Fazer o almoço, almoçar, vestir café.
Voltar à vida.
Para quê? Amanhã vou repetir tudo. Amanhã será esta manhã. É sempre, sempre, sempre a mesma manhã., todos os dias a mesma.
Odeio as manhãs.

sexta-feira, junho 03, 2005

Acordar

Acordei hoje e vi
senti
um peso familiar
de um corpo
adormecido

Tentei recordar
saber
o local e o tempo
em que estava
vivo de novo

Fugir ou escolher
ficar
acordaste e sorriste
doce e perfumada
luz matinal

Fiquei quieto
horas
sem te ouvir falar
só a ver-te sorrir
a acordar

domingo, maio 29, 2005

É raiva pura
aquilo que se esconde
no grito do meu desejo

É fome de sangue
aquilo que se espalha
pela curva do horizonte

Serás minha até eu querer
deixar de te guardar

Serás minha até morrer
o céu e o sol e a lua

Serás minha pelo menos
até o sangue secar

Serás minha toda a noite
até eu parar de cair

Já o sangue seca
nos meus lábios sedentos

Já o sol nasce
e me vem acordar

E prender na realidade
longe, tão longe de ti
do teu sangue
do teu beijo
da minha raiva
do meu sonho

quinta-feira, maio 19, 2005

Pretérito Perfeito

Atravessei um oceano de desespero
para me banhar um segundo mais
na escuridão dos teus olhos

Caminhei por florestas de sonhos
para adormecer uma vez mais
enrolado nos teus cabelos

Perdi-me em labirintos de palavras
para te ouvir murmurar
o meu nome só mais uma vez

Respirei em céus de tempestades
em ares bem acima do meu
para voltar a sentir o teu perfume

Escrevi estes versos fracos e soltos
porque fraco e e livre fui
todas as manhãs do mundo

em que acordei nos teus braços
brancos e sedosos e suaves
de bailarina de loiça

terça-feira, maio 10, 2005

O Caminho Fácil

Sentado no café, estou só mas não sozinho.
Os casais na mesa falam sobre nadas importantes, as pessoas entram e saem, a música está lá, ocupando o seu lugar, no fundo do ruído.
Isto sozinho é mais fácil de passar.
Isto, o tempo, que é o que custa mais a passar.
Divago, a minha mente perde-se, o tempo voa.
Mas acompanhado a solidão instala-se, cresce lentamente, regada pelo alcóol e pelos sorrisos fáceis.
Mais uma apresentação, mais uma ovelha para o lobo. Será que a avisaram que seria a presa, que seria o sacrifício humano para me manter aqui sentado?
Duvido.
É fácil sorrir de volta, deixar os amigos com o alívio do dever cumprido.
Na mesa, o falso equilíbrio retorna. Só números pares, só casais. E aqui vou eu, sentir-me só enquanto falo com ela, (qual era o nome mesmo? será que me importa?), sentir-me frio enquanto finjo calor humano.
E aqui vou eu outra vez, em espiral descendente, pelo caminho mais fácil.

segunda-feira, maio 02, 2005

Amor em Prosa I

Quantas vezes, no nosso desespero, a tua mão atravessou a minha mortalha de nuvens e trovões para me trazer de volta da escuridão a que tanto gosto de descer?
Quantas vezes nós nos abraçámos, embalados nos dias negros por lágrimas de luz e suspiros perfumados pelo sofrimento?
Quantas vezes me arrancaste a pele, furiosa com o meu carinho, o teu olhar assanino cravado no meu peito?
Quantas promessas te fiz e não cumpri, quantas mentiras te contei, quantas desculpas inventei, quantos erros desculpaste?
Quantas vezes fui o rochedo, fui o ferro, fui a montanha que aguentou as tuas fúrias sem motivo, e fui o teu escudo quando não tinhas razão?
Quantas vezes nasceu o sol sobre o nosso amor, as tiras de luz baça da tua persiana a chamar-nos de volta ao mundo?
Alguma vez foste tão bela quanto nessas manhãs?
Alguma vez existiu beleza no universo antes desse primeiro acordar?
Nem sei quantas vidas daria para te ter de volta, nem sei se existem vidas que cheguem no mundo para encher tal vazio.
Só sei que acordo e não estás lá.
Só sei isso. E acho que não tens forma mais eficaz de me magoar, e de te magoar.
Nem sei que olhos arrancar senão os meus. Quem me dera poder arrancar os teus olhos, a tua alma da minha, mas não consigo.
Se te arranco, que me resta?
Nada mais existe para além de ti.

terça-feira, abril 19, 2005

Já fui



Já fui um Demónio
agarrado a mim
espalhando o terror
como um vento frio
que queima a pele

Já fui um Dragão
e nas minhas asas
pesadas de dor e ódio
criei um novo eu
que voa e mata e fere

Já fui uma Fénix
renascida do fogo
as negras laberadas
do teu perfume
lambiam o meu corpo

Mas algures em mim
um anjo está perdido
à espera de sair e respirar
na tinta negra da pele
e da página branca.

sexta-feira, abril 08, 2005

Um sonho

Existes?

Não serás um sonho,
enquanto dormes
aninhada aqui,
deitada a meu lado?

Vou passar a mão
pelos teus cabelos
para ter a certeza,
com muito cuidado
para não te acordar.

Assim que te toco
sei que és um sonho.
Ninguém real tem
uma pele tão macia,
nem respira tão leve,
nem sequer pode
existir aqui um
sorriso tão quente.

Já decidi.

Vou fazer-te
o pequeno-almoço.
Que comerá um sonho?

tudo

tudo o que sempre quis
foi sentir de novo o calor
despir a capa da tristeza
abrigar-me do frio

tudo o que procurei
nos corpos de outras
foi aquele calor puro
que levaste na mala

tudo o que olhei no céu
vazio de dia e de noite
foi aquelas noites passadas
a sonharmos agarrados

tudo aquilo que trocamos
sempre que os nossos olhos
se encontram por acaso
são venenos e ódios

tudo aquilo que matei
naquela noite quente
tudo o que não voltei
a sentir nunca mais

tudo tudo tudo
eu não sinto nada
nada
nada
nada

quinta-feira, março 24, 2005

sepultura

deixa-me ficar aqui
deitado para sempre
a olhar-te e a sonhar
nesta campa carmesim

vou viver para sempre
neste segundo de céu
entre os batimentos
dos nossos corações

quero ser sepultado
nesta campa de flanela
rodeado dos teus braços
no silêncio da manhã

não a quero, desejo-a
esta paz infinita
de sepultura fresca
nesta campa carmesim

sexta-feira, março 11, 2005

todas as vezes

todas as vezes
que o teu sorriso
me derrubou
os muros

todas as vezes
que o teu toque
me fez arrepiar
a pele e a alma

todas as vezes
que me acordaste
com o bater
do teu coração

todas as vezes
que te beijei
os olhos escuros
cheios de lágrimas

todas as vezes
que a noite nasceu
com o brilho da lua
nos teus cabelos

todas as vezes
todos os enganos
todas as mentiras
todos os abraços

todas as vezes
que te esperei
e ainda espero
na noite escura

quarta-feira, março 02, 2005

A minha tinta


Abraço a minha dor
com tinta que retiro
da minha alma negra

Abraço o mundo
com a dor de saber
que é um abraço frio

Abraço a noite
pois só ela é negra
e fria como a minha alma

como a minha tinta

segunda-feira, fevereiro 21, 2005

A Máscara

Visto a camisa
ponho a máscara
escondo a loucura
detrás do sorriso

a máscara ri

Caminho na rua,
sentimentos escondidos,
rodeado de corpos
quentes e vivos

a máscara tapa

O sorriso simpático
a tapar a raiva
a voz quente
a esconder os gritos

a máscara vive

Sim, ela vive
vive por mim
pois eu não vivo
mato tudo o que toco

a máscara chora

Quando a tiro
pois sabe que falhou
pois sabe que hoje
a febre voltou

terça-feira, fevereiro 15, 2005

Esta música

esta música
é um milhão
de lâminas
que atravessa
o meu coração

já libertou
as lágrimas
que guardava
preciosas
para ti

esta música
embala-me
nas recordações
sufocadas
da tristeza

mas oiço
uma e outra vez
a tua voz
e sinto o teu
perfume

e adormeço
a chorar
embalado
pela memória
de um anjo

domingo, fevereiro 13, 2005

Que saudades da chuva

Que saudades da chuva
constante fria e viva
que me recebia na rua
e me acordava para o dia

Que saudades da chuva
na noite fria e solitária
unica companheira
no solitário regresso a casa

Que saudades da chuva
que tantas lágrimas roubou
do meu rosto cansado, e levou
de volta para as nuvens

Que saudades da chuva
que caia do espaço sideral
e me lavava os pecados
antes de me ir deitar

Que saudades da chuva
que me abraçou o rosto
e me embalou o desgosto
quando me deixaste só

quarta-feira, fevereiro 09, 2005

Preguiça Matinal

conta-me uma história
daquelas verdadeiras
inventada só pra mim

conta-me uma história
e deixa-me sonhá-la
aninhado no teu peito

conta-me uma história
embalada nos teus sonhos
adormecida nos teus braços

conta-me uma história
perdida no espaço-tempo
solta no teu sorrir

conta-me uma história
para eu ficar aqui contigo
no teu abraço quente

conta-me uma história
por favor e eu juro
não ir hoje trabalhar

conta-me uma história
e eu fico aqui contigo
para sempre abraçado

a sonhar

segunda-feira, janeiro 31, 2005

Tu

Tu
amiga amante
astro flamejante

Tu
minhas mãos
meus abraços

Tu
minha ausência
minha companhia

Tu
meu sorrir
meu desgosto

Tu
meu pensamento
minha vontade

Tu
minhas palavras
meus suspiros

Tu
minha morte
meu regresso

Tu
sim tu
quem mais?

Acorda

Acorda agora e vê
nesse espelho partido
a corda que te amarra
o pescoço
e as mãos
e a voz

a corda que te puseram
entrelaçada
com os teus medos
e sonhos
e ilusões
e mentiras

acorda agora e vê
tudo o que não
fizeste nem amaste
nem olhaste ainda
o teu rosto
amordaçado

acorda agora e vê
o muro que erguem
à tua volta
já nem sabes se é
noite ou dia ou se é ar
o que respiras

acorda agora
abre os olhos e vê
rompe a corda
e caminha
sorri
o futuro é já ali

sexta-feira, janeiro 28, 2005

Gostava

Gostava de saber
escrever como sinto
passar para a folha
branca e pura
os sentimentos
que escondo aqui
na escuridão da
minha mente.

Gostava de ter a arte
de apagar para sempre
as tuas lágrimas
de te envolver com
os meus braços e
embalar o teu coração
magoado nas ondas
do mar escuro.

Gostava de me perder
nos teus olhos profundos
e afogar a nossa dor
nas minhas lágrimas
deixar os teus cabelos
envolver os meus sonhos
e mostrar-te que sorrir
não é um verbo vazio.




quinta-feira, janeiro 27, 2005

Um Estranho

Hoje sinto-me estranho
como se algo em mim,
uma mola, um botão,
tivesse disparado.

Sou um outro,
um estranho para mim,
para esse antigo eu
desaparecido.

Não me conheço
nem um pouco,
nem a minha voz
já reconheço.

Não tenho local
de retorno possivel,
nem porto
onde me procurar.

Mas a verdadeira
pergunta permanece.
Será que quero
ou tento voltar?

terça-feira, janeiro 25, 2005

não me olhes

não me olhes
assim como estou
agora aqui
perdido

não me olhes
assim como olhas
sempre luz
e vida

não me olhes
tão fixamente
a ler-me
e a sorrir

não me olhes
que me salvas
do que fui
e sou

não me olhes
nem me toques
viver é dificil
sem ti

não me olhes
com censura
na doçura quente
do olhar

não me olhes
por favor
assim devagarinho
assim não

não me olhes
por favor
sem me tocares
no coração

assim de mansinho...

quinta-feira, janeiro 13, 2005

Eu

Eu, por vezes, não existo
sou um sonho de mim,
desenhado como nunca fui.

Sozinho, espalho pelo chão
branco das folhas
as impurezas do meu ser.

Demonstro, metodicamente,
os erros da acção do coração,
e mostro o monstro escondido.

Faço nascer um novo sol,
para iluminar a noite,
e criar as sombras que guardo.

Desisto antes do entardecer
deste velho dia já gasto,
nas sombras do meu interior.

Não quero assustar-me
outra vez comigo,
perdido nas sombras.

terça-feira, janeiro 11, 2005

Fugir

Fugir
sair daqui
deste corpo
deste mundo
deste lugar imenso
perdido no espaço
interior, escuro,
fechado, impuro,
indesejado,
infalível
no seu método
de matar,
sufocar,
sentimentos, ilusões,
toques, sensações,
carinhos
perdidos, levados
pelo vento
deste corpo,
deste espaço
imenso.

O Relógio

O relógio ecoa
os seus gemidos
pela sala vazia,
como bombas
pela planície
imensa.
O relógio geme
porque sabe
(melhor que eu)
que as palavras,
quando soltas,
quando ditas,
são passos
na areia,
depois de passar
a onda,
depois de passar
o tempo,
aquele momento
de liberdade
prisioneira
do relógio,

sexta-feira, janeiro 07, 2005

Planura

A casa abandonada
perdida na planura
é o velho que a habita
é o espelho da verdade

O seu destino é o mesmo
nesta terra moribunda
último homem, última casa
testamento à fartura passada

Deixados a morrer
na sua planície amada
o velho balouça da trave
na casa da planície dourada

Último passo num beco sem saída,
um espelho que nada reflecte
o velho balouça mas sorri
ambos estão vivos, onde conta, aqui.

quinta-feira, janeiro 06, 2005

Ao ver-te outra vez

Ao ver-te outra vez
à luz oblíqua do entardecer
Perdi-me de mim
algures entre as sombras
que beijam o teu rosto
Esqueci-me do mundo
ao ouvir a tua respiração
inflamar o ar com
perfume da tua alma

Mas o farol do meu ser
continuou a bater
compassado o meu coração
puxou as correntes
e voltei a mim
e lembrei-me de ti
quando nos perdemos
juntos no labirinto
e me olhaste outra vez

Sou

Sou um vento
que pela planície passou
e nem marca deixou
Uma pegada perdida
que ninguém encontrou
Uma pedra partida
que alguém atirou
Um risco a lápis
que não se apagou
porque a borracha
não se interessou

Sou um gesto vão
uma importância menor
uma nota de rodapé
um batimento moribundo
um som que se desvanece
uma luz que desaparece
e que ninguém viu
nem agarrou
nem escutou

Mereço

Mereço a dor, pois fiz sofrer
Também eu tirei prazer
de rodar a sangrenta faca
no peito alheio confiante

Mereço o desprezo, pois desdenhei
dádivas sentidas e custosas
tributos mais valiosos que
ouro ou prata ou poder

Mereço até a tortura, pois matei
devagar, devagarinho, pontes
e caminhos, metodicamente
cortados, sentimentos expostos à luz

Mas não mereço que me olhes
com os olhos cheios de sol
e me perdoes sem saber
a dor que soltei no mundo

terça-feira, janeiro 04, 2005

Ganhar

Ganhou o Mal, longa vida ao Medo
São os demónios que hoje dominam os céus
E a escuridão que dita as regras
Ganhou o Mal, longa vida à Dor

Ganhou o Mal, em todo o lado Morte.
E o Bem sangra sozinho num deserto gelado
Esquecido de todos, e morre, devagar e sozinho
Ganhou o Mal, a minha alma está a saque.

E o Amor fugiu deste mundo
E o sol mergulhou no mar
E devagar, devagarinho, o meu coração é devorado
Ganhou o Mal, levaste o Amor contigo.

domingo, janeiro 02, 2005

From you

From your light I take my darkness
From your eyes I drink my poison
From you the flame rises high,
Burning away my kindness.

Softly, you speak to my body
Broken music to a dead soul.
A smile arises in your lips
Killing the man inside the beast

From your angel like body
Like a painting from a master
My evil rises again, darker,
To suffocate my eyes with light.

sábado, janeiro 01, 2005

Hold me

Hold me in your arms,
You are my only comfort
The only certain thing I have
My brother, Death.

Hold me in your arms,
Help me escape this cage
‘cause happiness is a trap
and I can’t stand the light.

Hold me in your arms,
Only you can save me now.
Don’t you leave me here alone
I’m afraid to feel your love

Hold me in your arms,
Hold me tight, don’t let go,
I can’t fly away you know,
I can’t follow where you go.